Participei recentemente numa reunião, no Ministério da Agricultura, para analisar as consequências da guerra atual no abastecimento de cereais para alimentação humana e animal. Foi referido que a Ucrânia representava apenas 3% da produção mundial de milho mas 18% do que era comercializado e 40% do milho que Portugal importava. É certo que há alternativas (África do Sul, América do Sul e do Norte) mas como a oferta no mercado se reduziu bruscamente o preço disparou. Citando “A better Way to Farm”, a página de um consultor agrícola norte-americano, Rússia e Ucrânia representavam 30% das exportações de cevada, 19% do milho, 29% do trigo e 78% do girassol. Voltando à reunião, também foi explicado que a Ucrânia produzia muita colza, que agora a alternativa é usar soja e portanto o preço da soja também está a subir, o que afeta tanto o óleo de soja usado na alimentação humana como o que sobra da extração do óleo, o bagaço de soja que é usado na alimentação animal.
Nestas alturas há sempre especulação e o mercado deve ser vigiado e regulado, mas penso que, mais útil do que denunciar os supermercados por atualizar preços ou acusar os olivais super-intensivos de ocuparem o espaço dos cereais que não eram rentáveis, será mais rápido e mais lógico pensar em substituir o óleo de girassol por azeite, que está mais barato. Aliás, há 30 anos faziam-se piadas com “giracídio”, girassol que se se semeava em alguns terrenos sem condições apenas para receber o subsídio. Há 20 anos um colega contava-me que tudo aquilo que recebia da venda do milho (cultivado em condições) dava exatamente para pagar as despesas e a margem de lucro era o que recebia nas ajudas da PAC. Deve ser por isso que agora está a produzir frutos secos.
Temos de perceber que, mesmo que agora, de repente, quiséssemos produzir milho, trigo, colza ou girassol, mesmo que valesse dez vezes mais do que no ano passado e com garantias de preço estável durante uns anos, só daqui a muito tempo seria a colheita e essa produção vai exigir mais adubos, que também estavam a vir de forma significativa da Ucrânia e da Rússia e energia que também está mais cara.
Voltando à reunião, quase no fim, entre várias coisas interessantes, um senhor ao meu lado disse que era urgente parar de queimar cereais nos biocombustíveis. Não fixei o valor, mas é uma quantidade astronómica de milho que é usado para bioetanol ou de colza para biodiesel. Vocês podem não ter reparado, mas não é só petróleo que metem no tanque do carro. Reparem na fatura do gasóleo. A última que aqui tenho diz que 11%, a “energia renovável”, é biocombustível, o que fazia sentido para usar menos combustíveis fósseis. Uma coisa positiva que descobri é que, em Portugal, 60% desse biocombustível é proveniente do óleo alimentar usado. Assim, mais do que ocuparem os noticiários com os detalhes militares da guerra, talvez seja útil explicar como podemos poupar energia, reciclar mais óleo usado e reduzir, a nível europeu ou mundial, de forma provisória, a utilização dos cereais e oleaginosas nos biocombustíveis, dando prioridade à alimentação humana ou dos animais que nos alimentam. Como poderão ver nos próximos meses, será mais fácil baixar o preço dos combustíveis do que do óleo de girassol, de soja e de toda a comida. #carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.