Deputados municipais de Ovar solicitaram hoje ao Ministério Público (MP) que investigue o drástico abate de árvores no perímetro dunar dessa autarquia do distrito de Aveiro, por suspeita de “ilegalidades” na execução do respectivo Plano de Gestão Florestal.
Em causa está a operação que já abateu milhares de pinheiros junto à costa vareira e que até 2026 prevê o desbaste total de cerca de 250 hectares de pinhal, o que no último mês provocou alarme em moradores e outras entidades de Ovar, motivando uma petição pública que, no prazo de uma semana, foi subscrita por mais de 11.000 exigindo a revisão do procedimento.
Esse abaixo-assinado partiu da iniciativa do Movimento 2030, estrutura de base cívica que agora integra a Assembleia Municipal de Ovar após a eleição de dois deputados com o apoio partidário do Iniciativa Liberal e do PPM, e foram esses eleitos que nesta quinta-feira assinaram a denúncia remetida ao MP.
No documento em questão, a que a Lusa teve acesso, Arnaldo Oliveira e Marco Braga solicitam “a investigação de eventuais ilegalidades e/ou irregularidades na concepção e execução do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar” e listam os aspectos em que baseiam as suas suspeitas.
O primeiro é que os pedidos de informação apresentados pelo Grupo Municipal do Movimento 2030 face “à grande dimensão da área de floresta abatida e à potencial gravidade dessa acção do ponto de vista ambiental” foram inviabilizados pela Assembleia de Ovar, já que a solicitação de uma reunião de esclarecimento com Comissão Especializada em Urbanismo e Ambiente foi “rejeitada pelo presidente” do órgão deliberativo da autarquia.
Para Arnaldo Oliveira e Marco Braga, ficou assim por explicar como é que o abate previsto no Plano de Gestão Florestal para a zona contígua às praias teve a aprovação de Câmara Municipal e respectivas juntas de freguesia quando a área em causa constitui, “segundo o Plano Director Municipal, um espaço florestal de conservação”.
O documento enviado ao MP alerta também que a hasta pública promovida pelo ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ao qual cabe a aprovação dos planos de gestão florestal) previa a alienação do material lenhoso resultante do abate em termos que não se cumpriram. Um exemplo disso, segundo os deputados do Movimento 2030, é que determinados talhões foram submetidos a abate quando o Plano de Gestão Florestal não previa que o fossem, enquanto outros estavam assinalados para desbaste e não foram sujeitos a ele.
Arnaldo Oliveira e Marco Braga questionam “qual a verdadeira motivação e fundamentação legal para o alegado incumprimento do Plano de Gestão aprovado” e realçam: “Não estamos com isto a defender o abate florestal dos talhões (…), mas apenas a questionar a motivação e a legalidade do abate de talhões distintos dos constantes no plano”.
Outra alegada irregularidade é que a calendarização dos abates florestais aprovados por ICNF, Câmara e juntas de freguesia “não é compatível com o tempo da resinagem à morte” – processo de recolha intensiva da resina de pinheiro nos cinco anos anteriores ao seu fim de vida. Os deputados esclarecem: se estavam “previstos abates no ano imediatamente a seguir à aprovação do Plano de Gestão Florestal”, isso significa que os autores da estratégia só estavam a equacionar 12 meses de resinagem em vez dos necessários 60.
“Por último, mas não menos importante, tanto quanto nos foi possível apurar, não foram elaborados os relatórios anuais de execução do Plano de Gestão Florestal no Perímetro das Dunas de Ovar. A confirmar-se esta suspeita, tal facto denota uma grande leviandade na implementação do plano, além de todos os desvios na sua execução poderem estar feridos de ilegalidade”, defendem os eleitos do Movimento 2030.
O pedido de investigação remetido à Procuradoria de Ovar termina com uma lista de 10 “testemunhas a inquirir” pelo MP, entre as quais Salvador Malheiro, chefe do executivo da Câmara Municipal, e os presidentes (actuais ou em funções à data dos factos) das juntas de freguesia de Esmoriz, Cortegaça, Maceda e Ovar, respectivamente António Bebiano, Sérgio Vicente Oliveira, Óscar Silva e Bruno Oliveira.
Outros intervenientes que Arnaldo Oliveira e Marco Braga querem ver inquiridos pelo seu envolvimento em diferentes etapas da aprovação do referido Plano de Gestão são: Susana Pinto, directora do Departamento Administrativo, Jurídico e Financeiro da Câmara de Ovar; Ana Cláudia Silva, chefe da Divisão do Ambiente da autarquia; Fátima Reis, directora-regional do Centro do ICNF; e ainda Rogério Rodrigues, ex-presidente do conselho directivo do ICNF, e o seu sucessor, Nuno Banza.