Encontraram, ao que parece, uma solução com duas vertentes: por um lado, ir procurar uvas (ou vinho a granel) onde houvesse para colmatar as faltas; por outro lado, contratar uma empresa de comunicação que fosse capaz de criar uma narrativa credível que justificasse o facto de, no fim da vindima, e por milagre, o produtor tivesse passado ao lado da seca extrema.
Era uma vez um país onde não chovia. Todos os habitantes estavam preocupados porque não tinham água para o que era preciso, nem para regar as flores e, em algumas zonas, nem mesmo para beber. Todos precisavam de ajuda. Entre eles, claro, os agricultores; os do milho, os dos olivais intensivos e dos amendoais, todos a apanicar. Os que produziam uvas não estavam muito melhor: embora se soubesse que as vinhas mais velhas resistiam melhor à seca, a falta de água no solo acabava também por não ajudar a desenvolver uvas sãs.
Uns começaram a deitar contas à vida e a ver que os prejuízos iam ser grandes, outros, mais espertos, começaram a ver como poderiam contornar a situação. Encontraram, ao que parece, uma solução com duas vertentes: por um lado, ir procurar uvas (ou vinho a granel) onde houvesse para colmatar as faltas; por outro lado, contratar uma empresa de comunicação que fosse capaz de criar uma narrativa credível que justificasse o facto de, no fim da vindima, e por milagre, o produtor tivesse passado ao lado da seca extrema. Assim se pensou e melhor se fez.
É verdade que as instituições também ajudaram, porque se apressaram a dizer que, ah e tal, a vindima vai ser boa e afinal as alterações climáticas não afetaram tanto como se pensava. Assim sendo, a tal empresa de comunicação teve o trabalho facilitado: tudo somado, a produção foi idêntica, a excelência do terroir permitiu que não houvesse quebra na quantidade e, com o esforço de denodadas equipas técnicas e a bênção do Senhor, foi possível manter a produção em níveis praticamente idênticos aos de outros anos e, imagine-se, até com melhoria de qualidade. Sobre a origem do vinho comprado, que virou vinho de quinta, um silêncio ensurdecedor […]