O PEPAC ditará a aplicação dos fundos agrícolas europeus em Portugal em 2023-2027. A Política Agrícola Comum representa cerca de um terço do orçamento da União Europeia e a sua execução em Portugal implica uma despesa pública superior a 1 350 milhões de euros por ano, ou seja, próxima de 10 mil milhões de euros num período de programação de sete anos.
O Governo português submeteu em 30 de dezembro de 2021 a proposta de Plano Estratégico da PAC (PEPAC 2023-2027) à apreciação da Comissão Europeia.
Em final de março, a Comissão Europeia enviou às Autoridades Portuguesas uma Carta de Observações da Comissão Europeia sobre o PEPAC, politicamente muito relevante porque contém fortes e fundamentadas críticas à proposta de Portugal e alguma exigências de alteração do PEPAC de cuja concretização dependerá a sua aprovação.
Três meses decorridos, o Governo português não divulgou as suas respostas à Carta de Observações, nem deu qualquer outra informação concreta sobre as negociações.
Repete-se o secretismo que precedeu a entrega da proposta de PEPAC em 30 de dezembro do ano passado. A responsabilidade não é só do Ministério da Agricultura. O Governo é globalmente responsável e as críticas mais exigentes da Comissão Europeia referem-se ao incumprimento de compromissos de Portugal nos domínios ambiental e climático, da gestão da água e da prevenção dos incêndios florestais, atribuídos ao Ministério do Ambiente e Ação Climática.
O alcance político desta situação é ampliado por terem sido publicamente notórias as divergências não resolvidas entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente e da Ação Climática na preparação da proposta do PEPAC apresentada em 30 de dezembro.
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Prestes a cumprir um ano de atividade, a Coligação Cívica “Participar do PEPAC” faz aqui um ponto de situação, focado na análise da Carta de Observações da Comissão e nas subsequentes iniciativas para contribuir para melhores e mais participadas decisões sobre o PEPAC.
Numa primeira parte, destaca-se a relevância das Observações da Comissão e das negociações que decorrem desde abril.
Na segunda, deplora-se o segredo do Governo sobre as respostas dadas à Comissão e sobre as negociações e apela-se a que se retomem as condições normais de informação pública e de participação cívica neste processo.
Na terceira parte, informa-se das diligências da Coligação nesta nova fase de elaboração do PEPAC e dos resultados alcançados.
Na quarta, analisa-se o contexto das negociações e sintetiza-se o conteúdo das Observações da Comissão, remetendo-se para um anexo uma exposição mais completa.
A Coligação divulgará nas próximas semanas um outro documento de posição sobre o PEPAC, incluindo propostas de alteração, em linha com as prioridades divulgadas anteriormente (Coliga-Participar-PEPAC).
- A Carta de Observações da Comissão Europeia sobre o PEPAC
- Em 6 de abril o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura e Alimentação (MAA) divulgou a Carta de Observações da Comissão sobre o PEPAC (Nota Aqui).
- As observações da Comissão incluem mais de 300 questões, abarcando todo o conteúdo do PEPAC, incluindo as intervenções e a afetação dos Fundos.
Sobre a insuficiente participação pública, a Comissão é clara e solicita mais informação, aludindo inclusive à carta recebida de 22 organizações da Coligação, em 7 de fevereiro passado:
“Dada a forte reação das ONG portuguesas da área do ambiente e clima face ao tratamento das consultas no Plano, Portugal é convidado a completar o Anexo III com mais detalhes sobre o modo como essas consultas foram realizadas.” (cit.)
Sobre as medidas, as referências à proposta de Portugal são especialmente contundentes nos domínios da agenda ambiental e climática e da política florestal, dada a incoerência da proposta nacional com os objetivos da União Europeia e, também, com compromissos fundamentais assumidos por Portugal, nomeadamente no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica para 2050 [1] e do Plano Nacional Energia e Clima 2030 [2].
A Comissão assinala também a escassez de intervenções do PEPAC para reforçar o tecido socioeconómico das zonas rurais e promover a silvicultura sustentável, solicitando que Portugal explique melhor como é que os variados Fundos, incluindo os mais diretamente vinculados aos objetivos da coesão social e territorial e do desenvolvimento local de base comunitária (LEADER), serão usados para lidar com o grande número de necessidades aí identificadas.
As ilações retiradas pela Comissão das suas críticas incluem a indicação inequívoca de que a melhoria do PEPAC, em alguns dos pontos, condiciona a sua aprovação, como se mostra no documento de Análise da Carta de Observações da Comissão Europeia (in CE-Observ-PEPAC).
- A resposta de Portugal às Observações da Comissão Europeia e a negociação em curso
- Em 21 de abril o Diretor-Geral do GPP enviou uma carta de resposta à Comissão Europeia em nome das “autoridades nacionais responsáveis pela programação do PEPAC”[3]. Essa carta não foi divulgada publicamente, ao contrário do que se verificou na generalidade dos restantes Estados-Membros. Portugal é o único do 15 Estados-Membros com PEPAC registados em 28 de abril e que não divulgou a sua resposta (ver aqui CE-PEPAC-EM).
Decorridos três meses sobre a Carta de Observações e dois meses e meio sobre o início das negociações com a Comissão Europeia, nada se sabe e não foi divulgada a Avaliação Ex-Ante das medidas propostas no Plano. A Ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, fez recentemente algumas declarações genéricas pretensamente tranquilizadoras sobre as negociações, sem acrescentar qualquer dado concreto.
A Coligação lamenta este continuado desrespeito pelos deveres de informação e prestação de contas sobre a preparação e negociação do PEPAC e apela ao Governo e aos demais órgãos de soberania para que reponham os procedimentos de relacionamento democrático normal com a sociedade, em particular, com as organizações e parceiros mais interessados e disponíveis para cooperar neste empreendimento e que dele têm sido arredados.
III. As iniciativas da Coligação e a informação recente do GPP
- A Coligação tem procurado participar construtivamente na elaboração do PEPAC. Voltou a fazê-lo nesta nova etapa aberta pelo conhecimento da Carta de Observações da Comissão, tendo divulgado publicamente a sua posição e iniciativas.
Em 12 de abril, congratulou-se pela divulgação pelo GPP da Carta da Comissão, assinalou a alteração de contexto em que iriam concluir-se as negociação e apresentou várias sugestões para se progredir, a começar pela divulgação do relatório da consulta pública da Avaliação Ambiental Estratégica, dos resultados da segunda parte da Avaliação Ex-Ante e das respostas do Governo à Carta de Observações.
No dia seguinte, em reunião com a Direção do GPP, reiteraram-se estas propostas e procurou-se compreender como participar nesta nova fase.
O GPP não reconheceu o caráter de forte crítica da Carta de Observações, considerando que o PEPAC iria apenas ser aperfeiçoado, uma ilusão que já se terá desvanecido. Informou ainda do calendário e métodos previsíveis da negociação nos meses seguintes, indicando que a resposta das autoridades nacionais à Comissão e as Avaliações mencionadas deveriam ser publicitadas até ao final de abril e, então, enviadas para nosso conhecimento.
- Em 29 de abril, a Coligação pediu de novo ao GPP o envio dos documentos citados. Face à ausência de resposta, apresentou, em 18 de maio, uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), solicitando-lhe que notificasse o GPP.
Dois meses passados, recebemos finalmente no dia 1 de julho a resposta da Direção do GPP aos pedidos de 29 de abril, acompanhados apenas da resposta das autoridades nacionais “aos 32 “key issues” elencados na Carta de Observações da Comissão”, continuando indisponíveis os documentos sobre as avaliações.
Divulga-se nesta oportunidade a resposta de Portugal às Observações da Comissão (in CE-Observ-PEPAC), alertando para a sua provável desatualização face às alterações que certamente ocorreram em função das negociações.
- IV. A Carta de Observações da Comissão Europeia e a atual negociação do PEPAC
- 6.Para se compreender a atual fase de negociação com a Comissão convém atender ao seguinte:
– primeiro, na apreciação e aprovação dos PEPAC, os poderes da Comissão limitam-se à verificação da conformidade com os Regulamentos e demais legislação comunitária;
– segundo, o Regulamento PEPAC é pouco coerente, havendo uma inconsistência entre as estratégias subjacentes aos instrumentos de operacionalização, por um lado, do primeiro objetivo geral da PAC, que privilegiam os apoios diretos ao rendimento dos agricultores para garantir a viabilidade e a resiliência do sector agrícola e, por outro lado, do segundo objetivo geral (Apoiar e reforçar a proteção do ambiente, incluindo a biodiversidade, e a ação climática e contribuir para o cumprimento dos objetivos da União em matéria de ambiente e de clima…);
– terceiro, dada a conjugação desses dois factos, quando a Comissão invoca o Regulamento em abono do segundo objetivo geral e criticando as intervenções propostas por Portugal ao abrigo das normas que regulamentam o primeiro objetivo, como o faz na sua Carta de Observações, pode enfrentar uma argumentação contrária com suporte jurídico;
– quarto, este ‘empate’ nos argumentos jurídico-formais poderia hipoteticamente resolver-se de dois modos: primeiro, se o próprio Regulamento desse primazia a um deles, o que não acontece, segundo, por opção de quem tem competência de facto para dirimir estas tensões na esfera política, que são, sobretudo, os Estado-Membros;
– quinto, o Pacto Ecológico Europeu prenuncia a superação da tensão referida, entre o imediatismo financeiro dos apoios diretos aos rendimento dos agricultores e a remuneração duradoura de externalidades (bens públicos) produzidas pela agricultura, reconciliando as racionalidades económica e ecológica; mas o Pacto Ecológico Europeu chegou com atraso à maturação da PAC para 2021-2027, iniciada há cinco anos.
- O PEPAC é um documento extensíssimo, com uma organização e linguagem quase indecifráveis e onde abundam justificações genéricas sem fundamentação factual e coerência lógica.
As Observações da Comissão são também muito extensas, sem fio condutor percetível, sendo as mensagens políticas principais sugeridas apenas pela insistência em certos tópicos mais concretos, repetidos de forma dispersa ao longo da Carta.
Em conclusão: é difícil reconstituir o fundamental da argumentação e da postura negocial da Comissão sobre o PEPAC, como o indiciam a superficialidade e equívocos que têm vindo a público sobre a sua leitura.
Para incentivar um debate público mais participado e esclarecido, a Coligação elaborou um documento sobre as Observações da Comissão baseado no seguinte método: seleção das observações onde a Comissão é mais objetiva nas críticas ao PEPAC e na sugestão das alterações, reproduzindo-se literalmente as observações da Comissão, numa sequência paralela à dos objetivos gerais e específicos do PEPAC, reordenando por isso o que se encontra disperso na extensa Carta da Comissão e aditando apenas contidos comentários.
Este documento pode ser consultado em CE-Observ-PEPAC, numa área do OneDrive dedicada à divulgação pública das atividades da Coligação e de informação estatística e documental sobre o PEPAC (Coliga-Participar-PEPAC).
Coligação Cívica – Participar no PEPAC
A coordenação da Coligação Cívica – Participar no PEPAC: Catarina Grilo (ANP|WWF); Francisco Cordovil (G9); João José Fernandes (OIKOS); Joaquim Teodósio (SPEA); Luís Chaves (F. Minha Terra); Miguel Viegas (Manifesto); Susana Carneiro (Centro PINUS); Vítor Andrade (ANIMAR).
[1] RCM do Conselho de Ministros n.º 107/2019, de 1 de julho.
[2] RCM do Conselho de Ministros n.º 53/2020, de 10 de julho.
[3] Após meses de diligências da Coligação, o GPP deu-nos conhecimento em 1 de julho, da referida carta, que se pode consultar em CE-Observ-PEPAC.