“Mundo rural” é uma das noções mais pitorescas ouvidas nos debates da campanha eleitoral. Num glossário do discurso político actual, teria lugar certo como expressão do pensamento conservador, que procura as virtudes da tradição e do enraizamento. Daí que tenha sido apropriada pelo dirigente de um partido da direita conservadora, como é o CDS, embora também possa ocorrer nas intervenções de Manuel Alegre (encontramo-la num texto que publicou neste jornal, na passada terça-feira), o qual, em matéria de enraizamentos, conservadorismos e velharias suplanta o CDS em ideologia e ornamento.
“Mundo rural” não designa a mesma coisa que o campo, não alude à paisagem, não sugere a atitude passiva da contemplação nem corresponde a qualquer espécie de classificação antropológica. O “mundo rural” faz referência a formas de vida, de trabalho e de produção (a agricultura, a pecuária) que dependem de um território e das suas características naturais. E nas construções imaginárias do homem urbano está associado a uma ética, no sentido mais lato deste termo. Acontece, porém, que este “mundo rural” já não existe. Quem ousa hoje pensar que as estufas de Odemira, os olivais intensivos do Alentejo, as vinhas de onde saem vinhos de marca, o enoturismo, as adegas que são mostruários de arquitectura e os pomares de laranjeiras do Algarve e de pêra rocha e maçã na zona Oeste são lugares onde emerge e floresce a vida associada ao “mundo rural”? Aquilo a que os conservadores chamam “mundo rural” já não é povoado por vida digna desse nome: subsistem […]