“Semear nuvens” é um método de manipulação dos processos de formação e queda de chuva ou neve. A técnica não é nova, mas tem vindo a ganhar especial adesão em alguns países como possível solução para a seca. Podemos, de facto, controlar o tempo ou existe um preço a pagar para quem tenta “imitar Deus”?
Vários estados dos EUA têm aderido à técnica de “semear as nuvens” como uma forma de combater a seca sentida no oeste do país. Utah, Dakota do Norte e Wyoming são apenas três exemplos. A China já tem vindo a desenvolver a técnica ao longo dos anos e tem investido em programas experimentais que cobrem vastas áreas do país. Podemos (e devemos) tentar controlar o tempo?
A problemática da seca tem vindo a ganhar maior dimensão no século XXI, na sequência de um agravamento das alterações climáticas e consequente aumento na frequência de fenómenos meteorológicos extremos com impacto em todo o mundo. Segundo o Relatório de Avaliação Global sobre a Redução do Risco de Desastres (RAG) da ONU de 2021, “até 700 milhões de pessoas estão em risco de serem forçadas a deslocar-se até 2030 devido à seca” e “até 2025, dois terços do mundo estará a viver em condições de “stress-hídrico” quando a procura superar a oferta”.
A urgência em encontrar soluções para a seca, sentida em muitos países tem vindo a ganhar prioridade e importância junto dos governos. De facto, este fenómeno extremo tem um impacto muito mais vasto do que pode aparentar, influenciando diversas comunidades em muitos aspetos.
Além das óbvias consequências que tem tanto a nível ambiental como a nível da vida selvagem, a seca é também um obstáculo a vários setores da atividade humana, nomeadamente do ponto de vista económico. “O perigo da seca e as atividades humanas (por exemplo, relacionadas com a terra e água) estão fortemente interligados, de tal forma que essas atividades podem aumentar o risco de impactos socioeconómicos e ecológicos”, sublinha o relatório da RAG.
Segundo o World Economic Forum, a seca é responsável por cerca de cinco a sete mil milhões de euros anuais em perdas na agricultura e negócios relacionados em todo o mundo. Algumas dos efeitos mais concretos são, por exemplo, o aumento da inflação nos preços de vários alimentos.
Em Portugal, inclusive, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, já alertou para as consequências da seca na inflação. O aumento de preços vai afetando os vários elementos do mercado em cadeia, começando pelo agricultor com o preço, por exemplo, de rega e terminando no consumidor, com o valor do produto.
Números que, por si só, já são preocupantes, podem, segundo o relatório da RAG, não transmitir a totalidade das perdas associadas à seca. “Os danos e custos resultantes de uma seca geralmente são seriamente subestimados devido a impactos generalizados, muitas vezes não explicitamente atribuídos à seca”, explica o relatório.
Torna-se, portanto, imperativo que comecem a ser tomadas medidas no sentido de reduzir não só os efeitos da seca, mas também a sua ocorrência que, segundo um estudo publicado na Nature Climate Change em janeiro do ano passado, irá duplicar (ou mais).
A técnica de “semear as nuvens”, como é conhecida em inglês, surge na sequência destes dados e, embora não seja novidade, parece ter-se tornado especialmente popular nas últimas duas décadas, até porque até há pouco tempo as provas da sua eficácia eram muito reduzidas.
“Semear nuvens”, de onde vem a técnica?
A técnica de “semear as nuvens”, conhecida como inseminação artificial de nuvens em Portugal, implica o uso de aviões ou drones responsáveis por depositar nas nuvens pequenas partículas de iodeto de prata que, com uma estrutura semelhante ao gelo, irão modificar a estrutura das nuvens, aglomerando gotas de água em seu redor e aumentando as probabilidades de chuva ou neve. A técnica pode também ser aplicada via terrestre, através de estações com cerca de 6 metros de altura que lançam as partículas na direção das nuvens.
As primeiras experiências da inseminação artificial de nuvens remetem à década de 1940 quando o cientista atmosférico Bernard Vonnegut descobriu, no seu laboratório, que as partículas de iodeto de prata eram capazes de congelar o vapor de água de um tipo concreto de nuvens e formar neve. Desde então, vários governos têm explorado esta possibilidade. A China, por exemplo, já muitas vezes foi manchete de jornal pelas experiências que desenvolveu a propósito da queda artificial de chuva e neve.
Ainda assim, e apesar de existir há cerca de oito décadas, a técnica de “semear nuvens” só há pouco tempo viu comprovada a sua eficácia fora do laboratório através de uma experiência realizada no estado de Idaho, nos EUA, que procurava desafiar outros estudos cujas respostas eram, segundo os autores, “inconclusivas”. O resultado final da pesquisa indica que “a acumulação de precipitação observada pelo medidor estava relacionada com a precipitação gerada através do semear das nuvens”. Ainda assim, as certezas de uns continuam a ser as incertezas de outros e nem todos confiam nos resultados que o estudo realizado em Idaho diz serem conclusivos.
Nos EUA, a prática tem vindo a ganhar adesão e embora alguns estados como o Utah ou a Dakota do Norte já recorram à inseminação artificial de nuvens há cerca de cinco décadas, outros estados têm aderido mais recentemente. Com a chegada da temporada das missões de precipitação, vários aviões cruzam os céus para prevenir a escassez de água resultante da seca.
Algumas das técnicas implicam a formação de chuva que cai diretamente nos campos, outros, como é o caso de Wyoming, têm explorado a hipótese de produzir neve no lugar de chuva e levá-la a precipitar nas montanhas mais altas, numa tentativa de armazenar água para a Primavera.
Podemos controlar o tempo ou devemos ter cuidado ao “imitar Deus”?
Talvez possamos controlar o […]