Na região do Baixo Alentejo, afetada por uma seca severa, há uma herdade autossuficiente em água e capaz de fazer face às alterações climáticas, porque começou há 40 anos um projeto de sustentabilidade.
Chama-se Herdade dos Lagos, um nome que foi buscar aos cinco lagos que foram mandados construir para combater o alastrar da seca, algo com que o dono, o alemão Horst Zeppenfeld, já então contava. Mandou construir lagos para reter a água da chuva e mandou florestar a herdade, de mil hectares, com árvores autóctones.
Hoje, como disse à agência Lusa a gestora, a engenheira agrícola Helena Manuel, os resultados estão à vista e os investimentos deram fruto. “Neste momento não estamos preocupados com falta de água. As barragens quando cheias têm capacidade de regar três anos sucessivos sem chover”, pelo que haverá água “para regar mais dois anos, se não chover de todo”.
Gestora da herdade há oito anos, a responsável, na sombra de um eucalipto perto de um dos lagos onde a cadela Kika se vai refrescar de vez em quando, contou à Lusa que Horst Zeppenfeld comprou a propriedade há 40 anos e que, após um ano de seca, mandou fazer cinco grandes barragens para guardar a água das chuvas dentro da herdade, prevendo que situações de seca iriam aumentar no futuro.
Mas fez mais. “A Herdade dos Lagos é um projeto de sustentabilidade integrado que já aposta em todos os sistemas ambientais há mais de 40 anos”, disse, explicando que também desde há 40 anos é “obrigatório florestar”.
“Toda esta herdade era de terrenos desertificados, das sucessivas campanhas de cereais. E foi importante proceder a muitas plantações. Começámos inicialmente com projetos florestais de azinheiras e sobreiros”.
Helena Manuel contou que não correu bem, há mais de 20 anos, com as amendoeiras, mas que têm hoje 270 hectares de alfarrobal, aquele que deve ser o maior alfarrobal contínuo do país, a que se juntam 80 hectares de olival e 32 hectares de vinha.
Tudo, mas tudo, com água própria, sem furos e sem ligações à barragem de Alqueva. Água gerida com critério, e com técnicas que vão da permacultura ao aumento da biodiversidade dentro das culturas, à criação de corredores ecológicos, à fixação de fauna e flora autóctones.
É um trabalho de décadas, que se intensificou nos últimos oito anos, quando as alterações climáticas avançaram “a um ritmo galopante”, com cada vez menos chuva, dois terços do que era hábito, contou.
As alterações climáticas levaram ao Baixo Alentejo, disse, um clima semidesértico com o qual os habitantes têm de aprender a viver, a adaptar-se.
“E é possível, fazendo uma gestão melhorada das culturas, fazendo um pastoreio holístico, aumentando a biodiversidade dentro dos sistemas, protegendo os solos”, porque o solo e a água são base de tudo e só há futuro se forem protegidos, disse.
E acrescenta ainda Helena Manuel, num discurso de orgulho pelos resultados: “Temos vindo a trabalhar com toda a questão da agricultura regenerativa, aumentar a biodiversidade dentro dos solos, os teores de matéria orgânica. Só para ter uma ideia, aumentámos em cerca de três pontos percentuais os teores de matéria orgânica no solo”.
Equivale a dizer que, há pouco mais de uma década, a Herdade tinha na vinha 0,5% de matéria orgânica e agora tem talhões com 4%.
Desde 2012 que os mil hectares da Herdade dos Lagos são todos de agricultura biológica. Certificada. A gestora fala do vinho e do azeite, quase só para exportação, da alfarroba, da carne, dos doces também, provenientes das romãzeiras, marmeleiros e murtas dos corredores ecológicos.
Ao lado da Herdade dos Lagos, pelos concelho de Mértola, mas também por Almodôvar, Castro Verde ou Ourique, há agricultores a vender animais porque não têm água nem forragens. E o verão ainda agora começou.
Questionada se essas explorações precisam de trabalhar 40 anos para alcançarem resultados idênticos, Helena Manuel respondeu: “Não é um processo rápido, não se iludam”.
Mas também acrescentou que não será preciso tanto tempo, será preciso sim proteger os solos, não os mexer constantemente e fixar carbono, arborizar e proteger a água.
Na herdade, exemplificou, está a ser desenvolvido um projeto de ilhas flutuantes de cortiça com plantas filtradoras, de forma a filtrar a água e ao mesmo tempo cobrir o espelho de água e evitar a evaporação, responsável por perda de 20% da capacidade dos lagos em cada ano.
A herdade tem quatro parques solares, com pouco impacto visual, vende energia e é em termos de balanço autossuficiente. E vende 100 mil litros de vinho e 500 toneladas de azeite ao ano.
Depois também cuida das avestruzes e dos morcegos. Perto das vinhas, penduradas em árvores, pequenas construções servem de casa para os morcegos, que controlam as pragas da vinha.
“Trabalhamos muito com a natureza, mesmo a nível da microbiologia. Em vez de pesticidas trabalhamos com a nutrição da vinha. Porque uma planta saudável tem menos probabilidade de ser atacada por pragas”, contou a responsável.
E falou ainda das sinergias de culturas, para criar árvores que não necessitem de tanta rega, das barreiras de retenção de água nas encostas, dos estudos de culturas adaptadas à seca, das plantas de floração escalonada para que as abelhas sempre tenham alimento.
É assim a Herdade dos Lagos. Tem sido assim desde que o então capitão e depois armador Horst Zeppenfeld a comprou, em Vale dos Camelos, porque lhe fazia lembrar as planícies da sua Bremen natal.