Um projeto de agricultura sustentável na costa sudeste da Índia chegou em quase nove anos a um milhão de agricultores e já se expandiu para outros países, levado essencialmente por mulheres agriculturas.
O projeto, que foi lançado em 2016 pelo governo do estado de Andhra Pradesh e que na próxima década quer chegar a oito milhões de indianos, é um dos vencedores do Prémio Gulbenkian para a Humanidade.
O prémio anual, de um milhão de euros, é este ano atribuído em partes iguais ao projeto indiano, chamado “Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming” (APCNF), a um projeto de agricultura sustentável no Egito, chamado SEKEM, e ao professor e especialista em gestão sustentável dos solos Rattan Lal.
Vijay Kumar, vice-presidente executivo do programa, em Lisboa para receber hoje o prémio, explica à Lusa que o trabalho do APCNF consiste em fazer a transição dos agricultores de uma agricultura com produtos químicos, de pesticidas a fertilizantes, para uma agricultura natural.
Mas a grande novidade do programa, que o faz crescer e até exportar, está nos métodos usados, porque são os agricultores, especialmente mulheres, que o publicitam a outros agricultores.
Vijay Kumar, tranquilo, voz pausada, explica com pormenores o processo. Fala de uma agricultura em harmonia com a natureza, das colheitas ao longo do ano, das culturas diversificadas, do evitar lavrar o solo, do uso de estrume de gado e de outros produtos naturais, que “não são adubos, são estimulantes”.
“Da mesma forma, fazemos a gestão de pragas sem utilizar quaisquer produtos químicos sintéticos, pelo que são também pesticidas botânicos”, diz à Lusa, acrescentando que a diversidade de culturas evita as pragas.
A verdade é que, diz, com base nesses princípios desenvolveram-se tecnologias boas para os agricultores, baseadas em conhecimentos continuamente testados no terreno mas também em investigação científica da Índia e de outros países.
Mas, acrescenta o responsável, que sendo a tecnologia boa e a custos muito baixos, do tipo “faça você mesmo”, o problema que se colocava era o de como chegar aos agricultores.
“É esta a singularidade do que estamos a fazer”, o conhecimento é transmitido de um agricultor a outro, “os agricultores com melhores práticas são também os formadores”. Os agricultores heróis, como lhes chama Vijay Kumar.
“Começámos com 800 desses heróis, agricultores campeões, e ao fim de nove anos temos 10.000 desses formadores. Através deles levámos este programa a 1.000.000 de agricultores em Andhra Pradesh nos últimos nove anos”, diz.
Vijay Kumar assegura que não é fácil mudar o método de cultivo, que há sempre a relutância dos agricultores, por isso o sucesso do programa está nos agricultores mentores. Que vão ter com outros, que lhes pedem que experimentem a agricultura natural numa pequena parte do seu terreno e se correr bem que expandam.
E quem pede é alguém “altamente credível, porque também o está a praticar” e assim é mais fácil acreditarem nela.
“Foi por isso que o nosso projeto conseguiu inscrever 1.000.000 de agricultores num período de tempo muito curto, e é hoje o maior projeto agrícola do mundo em termos de número de explorações, a maioria das quais são pequenos agricultores”, afirma.
Nagendramma Nettem é uma dessas agricultoras mentoras. Saiu pela primeira vez do distrito de Anantapur, estado de Andhra Pradesh, para receber em Lisboa o prémio atribuído pela Gulbenkian.
À Lusa fala do seu trabalho de “treinadora de agricultores”, de quando ouviu falar pela primeira vez da agricultura natural, “isenta de químicos e por conseguinte com imensos benefícios, em especial para a saúde”. “Então pensei, porque não experimentar?”.
Hoje lamenta o tempo que se perdeu na prática de uma “agricultura química” que prejudicou a saúde das pessoas. E dá o exemplo da filha mais velha, com problemas de visão mas também no sangue.
Começou uma horta de agricultura natural, em casa, e consumia os alimentos que aí produziu. E diz que no espaço de 45 dias viu “uma enorme diferença” na saúde da filha. A mesma que viu em casa da mãe, onde replicou a experiência, agora num espaço maior.
O programa já está em 12 estados da Índia, já foi visitado por delegações de 45 países, e vai chegar este ano ao Ruanda, Zâmbia, Indonésia, México e Quénia.
Todos a sofrer as consequências das alterações climáticas, que nas palavras de Vijay Kumar, são melhor toleradas com a agricultura natural, porque “um solo biologicamente ativo resiste mais à seca”, e os sistemas de raízes, mais ligado ao solo, suporta melhor as inundações.
Por isso o dinheiro da Fundação Gulbenkian teve desde logo um destino: levar o método, “económico e eficaz”, de Andhra Pradesh a outros países.