Uma quinta a nordeste do Cairo iniciou há quase 50 anos uma nova forma de fazer agricultura, que hoje junta milhares de pessoas e que se tornou quase uma filosofia, a que os responsáveis chamam “economia do amor”.
Chama-se SEKEM o projeto, criado por Ibrahim Abouleish em 1977 numa quinta de 70 hectares num local semidesértico. Chamou-lhe agricultura biodinâmica e foi com essa agricultura que regenerou a região. Hoje é uma das três entidades galardoadas como Prémio Gulbenkian para a Humanidade.
O prémio anual, no valor de um milhão de euros, é este ano atribuído em partes iguais à SEKEM, a uma iniciativa indiana também na área da agricultura sustentável e ao professor e especialista em solos Rattan Lal.
Em Lisboa para receber o prémio, o diretor executivo da SEKEM, Helmy Abouleish resume assim o trabalho da entidade, uma plataforma de organizações não-governamentais (ONG) e empresas: “estamos a tentar estabelecer um modelo de desenvolvimento holístico baseado na agricultura biodinâmica, baseado na economia do amor, baseado no desenvolvimento humano e no desenvolvimento da comunidade”.
A agricultura biodinâmica tem por base o solo com vida e as plantas saudáveis, numa definição muito resumida de Helmy Abouleish. É uma forma de agricultura sustentável, procurando eficiência na produção e em harmonia com a natureza “e com todas as influencias cósmicas”.
Segundo o diretor executivo há hoje milhares de quintas biodinâmicas no Egito, “milhares de pessoas que trabalham com esta economia do amor”, vendendo produtos biodinâmicos aos clientes locais, “e muitos, muitos milhares de crianças nas escolas” da SEKEM, que também criou uma Universidade para o desenvolvimento sustentável, com 3.000 alunos.
“Temos o nosso próprio Centro Médico e integramos programas de saúde e de desenvolvimento comunitário”, disse Helmy Abouleish à Lusa.
“Acreditamos que a agricultura é a base de qualquer desenvolvimento humano e comunitário, é muito, muito importante mas precisa sempre também de uma parte de desenvolvimento económico, a que chamamos a economia do amor” adiantou.
E também acredita, diz, que com a agricultura biodinâmica os agricultores do Egito, de Portugal, de todo o mundo, “podem mitigar uma grande parte dos desafios das alterações climáticas”, mais de metade do problema, frisa, pode ser tratado pelo setor agrícola.
Naglaa Ahmed, diretora-executiva de projetos da Associação Biodinâmica Egípcia (EBDA), a maior associação de agricultores independentes do Egito, que faz parte da SEKEM, também defende que a agricultura biodinâmica tem um papel nas alterações climáticas e na vida dos produtores.
Falando à Lusa em Lisboa, explica que a sua função é apoiar os agricultores na prática da agricultura biodinâmica, fala das dificuldades iniciais, dos desafios atuais relacionados com a inflação mas também com as pragas ou com a falta de água e com o facto de a propriedade ser por norma de muito pequena dimensão.
“É muito difícil converter esses agricultores da agricultura convencional para a agricultura biodinâmica”, o que não impede que se procure, diz, educar, apoiar, capacitar os agricultores, que depois irão também eles capacitar outros “para uma mudança transformadora na comunidade rural”.
A EBDA foi fundada em 1994 e orienta mais de 500 agricultores egípcios, sempre no sentido da agricultura sustentável, sem prejudicar nem o ambiente nem qualquer ser vivo. Dá conselhos, apoio técnico, administrativo e legislativo, e faz a ponte com potenciais compradores dos produtos.
Como muitas outras entidades está na SEKEM, que em 1977 começou no deserto um projeto uma agricultura biodinâmica e que é hoje o rosto de um grupo agroindustrial de empresas e ONG que ganhou o Prémio Gulbenkian, mais de 330 mil euros.
Helmy Abouleish já tem destino para eles. “Nos últimos anos ajudámos 10.000 agricultores a passar da agricultura convencional para a biodinâmica. Utilizaremos este dinheiro para ajudar outros 5.000”.