A cooperativa de Boticas e os produtores contestam o nome Barroso atribuído à mina de lítio, considerando que resulta “num dano de marca” que pode afetar a imagem do mel e carne produzidos no Património Agrícola Mundial.
“Pôr o nome do Barroso à mina é uma associação muito prejudicial para nós”, afirmou à agência Lusa Albano Álvares, presidente do conselho de administração da Cooperativa Agro Rural de Boticas, que é a detentora das Denominações de Origem Protegida (DOP) do mel e da carne barrosã.
Por isso mesmo, segundo afirmou, está a ser estudada uma ação judicial para travar a mina e impedir a utilização do nome Barroso, “que se confunde” com as duas DOP.
Para as freguesias de Covas do Barroso e Couto de Dornelas está prevista a exploração de lítio a céu aberto, pela Savannah Lithium, Lda., à qual foi atribuída o nome Mina do Barroso.
O Barroso, que se estende pelos municípios de Boticas de Montalegre, no distrito de Vila Real, é o único território português classificado como Património Agrícola Mundial, desde 2018, pela forma tradicional de trabalhar as terras, de tratar do gado e pela entreajuda dos seus habitantes.
Para Albano Álvares, a mina é “claramente incompatível” e “colide” com o Património Mundial.
Com sede em Boticas, a cooperativa trabalha com cerca de 250 produtores de mel, que possuem 120 mil colmeias, e 300 produtores de carne barrosã (espalhados por 21 concelhos de quatro distritos).
Segundo Albano Álvares, os produtos DOP (mel e carne) representam um volume de negócios de 1,2 milhões de euros anuais.
Por Covas e Dornelas espalham-se cerca de 1.700 colmeias, 40 apicultores e produzem-se oito toneladas de mel por ano. Há também 44 produtores de carne e cerca de 400 animais bovinos e 3.500 pequenos ruminantes.
Residente em Covas, Carlos Gonçalves tem 500 colmeias na serra do Barroso e afirma que a mina vai afetar a sua atividade e a todos os que “dependem da vegetação e da serra para sobreviver”.
“É uma enormidade de serra que vai deixar de existir e depois não é só isso, são as poluições que vão vir, que se vão espalhar pela serra toda e afetar as flores. As abelhas vão fazer o mel aonde?”, afirmou.
A área de concessão prevista é de 593 hectares.
A apicultura é a sua principal atividade e Carlos Gonçalves garante que “dá para viver disto”. A produção varia de ano para ano. Já colheu 5.000 quilos e, no ano passado, foram “apenas 700”, mas o escoamento “está sempre garantido”.
“Indo isto [mina] para a frente é uma facada em toda a gente que tenha gado ou dependa da lavoura para sobreviver”, afirmou.
Por sua vez, Albano Álvares salientou a “preocupação muito forte” para garantir “um produto que está em consonância com a natureza” e recordou as várias medalhas de ouro conquistadas pelo mel do Barroso que, inclusive, foi considerado o “mel do ano” em 2021.
Em subsídios agroambientes, os agricultores do concelho recebem seis milhões de euros, 1,5 milhões de euros nas freguesias afetadas.
Nelson Gomes, o presidente da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) e produtor de gado bovino, afirmou que se a mina avançar perdem “automaticamente 30%” das ajudas atribuídas pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP).
“Neste momento temos 560 hectares para fins de encabeçamento de animais e, automaticamente, 166 hectares deixam de fazer parte e isso significa uma perda de 30% nas ajudas dadas”, frisou.
Subsídios que vão desde as indemnizações compensatórias às ajudas ao pastoreio.
“Ao mesmo tempo que nos reduzem a área temos que reduzir ao número de animais. Estaremos a perder por duas maneiras”, salientou.
Nelson Gomes possui 29 vacas cruzadas que são destinadas à produção de carne.
“Agora, de repente, termos que mudar de vida, termos que abandonar aquilo que fazemos não faz sentido”, salientou.
A consulta pública do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Mina do Barroso decorre até 02 de junho. Até ao momento foram submetidas 62 participações via Portal Participa.
“A empresa afirma que isto não vai afetar o nosso modo de vida, mas como é que não vai afetar o nosso modo de vida se estamos a falar de um projeto que pretende destruir cerca de 440 hectares de floresta, áreas de pastoreio, desviar cursos de água e, a juntar a tudo isto, são as explosões. São impactes que ficam para sempre, nunca mais são minimizáveis”, afirmou Nelson Gomes.
Por fim, lamentou, “claro que pode também pôr em causa a qualidade da carne”.
A Savannah disse que teve como prioridade desenvolver para a Mina do Barroso um projeto que permita assegurar que os impactes serão de “baixa incidência” ou “mesmo eliminados”.
Segundo a empresa, o investimento “resultará em significativos benefícios económicos, sociais e demográficos, de longo prazo, como o investimento de cerca de 110 milhões de investimento para desenvolvimento e construção de infraestruturas locais, e a criação de 215 empregos diretos e entre 500 a 600 indiretos”.
O projeto tem como foco principal a produção de concentrado de espodumena, para posterior alimentação de estabelecimentos mineralúrgicos de processamento de lítio, tendo como subprodutos o feldspato e quartzo para alimentar a indústria cerâmica e vidreira, e prevê a instalação de um estabelecimento industrial (lavaria).