A Ordem dos Médicos Veterinários é e sempre será uma acérrima e natural defensora do bem-estar animal, aliás um aspeto bem explícito nos seus Estatutos e inúmeras vezes demonstrada nas posições tomadas pelos seus órgãos e pelos seus membros.
Além disso, a promoção do bem-estar animal não é apenas um dever ético, mas uma atitude médica congruente. Os médicos-veterinários fazem-no no seu dia-a-dia, seja na assistência médica aos animais de companhia e aos animais de pecuária, seja garantindo boas práticas ao nível das explorações agrícolas, dos matadouros, dos biotérios etc…
O estudo do bem-estar animal é, desde há algumas décadas, uma Ciência em toda a aceção da palavra, bebendo de inúmeras disciplinas, sendo que os médicos-veterinários serão de certeza os mais capazes a compreender e a apreender esta multidisciplinaridade.
É, por isso, com enorme surpresa e com algum constrangimento que assistimos à forma leviana, tendenciosa, incoerente e inculta, com que o assunto foi apresentado no programa Linha da Frente transmitido pela RTP1 no passado dia 25 de fevereiro.
Reconhecemos que é um tema complexo e controverso. Que não há uma só visão e muito menos a visão acertada. No entanto, e talvez por isso, o bem-estar animal merece ser discutido com seriedade, com transparência, com inteligência e, principalmente, com o imprescindível suporte da Ciência. Nada disso aconteceu no dito programa.
O que poderia ter sido uma marcante e honesta peça de jornalismo de investigação, apoiada numa análise imparcial de factos, portadora de uma verdadeira vontade de esclarecimento e de combate aos preconceitos e um corajoso convite ao contraditório, acabou por se revelar numa medíocre propaganda de uma visão extremista e facciosa. Um péssimo serviço público. Uma oportunidade perdida, que apenas serviu para radicalizar ainda mais as posições na sociedade, com efeitos nefastos para todos, e, principalmente, para os próprios animais.
Os atropelos científicos e os lapsos técnicos sucederam-se. Alguns escandalosos e, por certo, premeditados. Não se esclareceu, muito pelo contrário difundiu se o equívoco… através de inverdades, de testemunhos ignorantes e de uma escandalosa deturpação de factos científicos. Muita desonestidade intelectual.
Além do desprezo pela evidência científica, atacou-se, sem sequer dar oportunidade de resposta, um dos sectores, o da produção animal, que mais contribui para a economia e para o bem-estar dos portugueses. Não só produtores, como consumidores. Não se arriscou falar em alternativas à produção animal, nem no seu papel na preservação da economia rural, na ocupação das zonas desfavorecidas do interior, na defesa da biodiversidade e dos ecossistemas, no combate aos fogos florestais, na alimentação, justa e equitativa, da população portuguesa.
Não houve lugar ao debate das questões levantadas. Omitiram-se opiniões. Calou-se o contraditório. Mostrou-se um SÓ ponto de vista. Por exemplo, foi escolhido não referir o importantíssimo papel da experimentação animal na garantia de segurança e da eficácia da vacina contra a COvid19 ou contra a Ébola. Ou o papel dos rebanhos na sobrevivência de muitos povos em zonas áridas.
A utilização de animais para benefício humano deve ser alvo de discernimento e não está isenta de críticas. Deve ser controlada e melhorada. Mas, não é de certeza com base em programas deste tipo que se conseguirá fazê-lo. Não se fez jornalismo, mas apenas propaganda em horário nobre na televisão de todos. Vimos recomendar a exibição de um programa criterioso, equilibrado, imparcial e ponderado sobre o tema do bem-estar animal, em todas a suas vertentes.