A apresentação da proposta legislativa da Comissão Europeia para a regulamentação das Novas Técnicas Genómicas (NTG) deverá ser adiada de 7 de Junho de 2023 para a segunda quinzena desse mês ou para mais tarde, Julho. Através de uma contextualização de Mathieu Willard, analista político da PAC (Política agrícola Comum), fique a par dos recentes acontecimentos em torno da controversa proposta, com uma visão geral do atual quadro regulamentar dos OGM e as possíveis opções políticas numa avaliação de impacto divulgada pela Agra Facts.
Em Setembro de 2021, a Comissão Europeia publicou uma avaliação de impacto inicial, começando efetivamente o processo de desregulamentação dos OGM (Organismos Geneticamente Modificado). A nova proposta visa ‘retirar’ da legislação dos OGM as plantas resultantes de certas técnicas de modificação do genoma desenvolvidas mais recentemente. Essas técnicas são conhecidas como “mutagénese direcionada”, “cisgénese” e “CRISPR”, ou, “Novas Técnicas Genómicas” (NTG).
A 31 de Março, a DG SANTE confirmou que a proposta da Comissão sobre a desregulamentação dos OGM, bem como a proposta sobre a comercialização de sementes, será adiada. Originalmente prevista para 7 de Junho, não será apresentada antes da segunda quinzena desse mês ou mais tarde, em Julho.
Como relatado pela Agra FactS [N°28-23], a Comissão de Análise Regulamentar, cujo papel é assegurar a qualidade das avaliações de impacto da Comissão, enviou a proposta e a avaliação de impacto que a acompanha de volta à fase de redação. As razões mencionadas são uma avaliação insuficiente do impacto sobre a confiança dos consumidores, o setor orgânico, o ambiente e a saúde.
A pressão sobre a Comissão está a aumentar uma vez que, a 16 de Março, vários ministros do ambiente (Alemanha, Hungria, Luxemburgo, Eslovénia, Eslováquia e Chipre) declararam o seu apoio à posição do ministro austríaco do ambiente de manter a aplicação da avaliação científica dos riscos e a rotulagem obrigatória para as NTG. Recentemente, o ministro alemão da agricultura também se pronunciou contra a desregulamentação dos OGM.
Num documento anteriormente divulgado pela DG AGRI, intitulado “an overview of the politically sensitive topics” (“visão geral dos tópicos politicamente sensíveis”), a Comissão rotulou as NTG como altamente sensíveis e apontou para a ossibilidade de rejeição do plano pelo público em geral. Considerando a natureza cada vez mais politizada do documento, prevê-se que a proposta possa ser adiada ainda mais, até à próxima administração da Comissão.
É importante notar que a proposta de comercialização de sementes também foi adiada. Esta é mais uma indicação de que as duas propostas são vistas como um pacote. De facto, uma opção política para a próxima revisão da comercialização de sementes é a inclusão de critérios de sustentabilidade a serem cumpridos para registo no catálogo da UE. Prevê-se que os critérios sejam feitos para se adequarem às características dos OGM.
A Agra Facts [N°28-23] analisou o draft da Avaliação de Impacto que foi apresentado à Comissão de Análise Regulamentar. No entanto, antes de aprofundar as opções delineadas no documento divulgado, é crucial rever primeiro o quadro legal e o contexto existentes.
O atual enquadramento dos OGM
O atual quadro regulamentar dos OGM não proíbe os OGM na UE, mas regula a sua entrada no mercado. O quadro tem três princípios básicos: avaliação prévia dos riscos, rastreabilidade e rotulagem. A Diretiva 2001/18/CE e o Regulamento 1829/2003 definem os procedimentos de autorização, enquanto que o Regulamento 1830/2003 enquadra as regras sobre rotulagem e rastreabilidade.
No centro do procedimento de rastreabilidade está a exigência de que os requerentes que pretendam introduzir OGM no mercado da UE devem desenvolver e fornecer um método de deteção. Esta obrigação permite a qualquer utilizador distinguir os OGM de outros organismos não sujeitos às restrições, protegendo, assim, os agricultores de alegações de infração sobre produtos patenteados.
Este pacote legislativo é o resultado de uma longa e vitoriosa campanha liderada por cidadãos e agricultores há mais de duas décadas. Os argumentos na altura eram simples e ainda hoje mantêm-se.
Em primeiro lugar, há necessidade de cautela quando os produtos e/ou organismos devem ser libertados no ambiente. A falta de conhecimentos científicos sobre as consequências de tais libertações deveria levar a restrições de utilização. Esta necessidade é apoiada pelo princípio da precaução, consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), artigo 191. Em segundo lugar, os consumidores também têm o direito de escolher o que querem comer e de basear a sua escolha em informações fatuais. Terceiro, os agricultores devem ter direito à soberania alimentar, a decidir que semente querem utilizar, a um ambiente limpo e seguro e à diversidade biológica. Todas elas fazem agora parte da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais (UNDROP).
O quadro atual tem sido bastante restritivo até agora, pelo menos quando se considera a libertação direta para o ambiente. Atualmente, apenas oito OGM são autorizados para libertação direta na UE (através da Diretiva 2001/18/CE). No entanto, toneladas de soja e milho geneticamente modificados podem ser importados e utilizados como alimentos para animais através do Regulamento 1829/2003, bem como algodão geneticamente modificado, e os produtos finais (tais como carne, leite, ovos) não precisam de ser rotulados.
Dicas de opção política
No draft de Avaliação de Impacto divulgado foram apresentadas as seguintes opções políticas:
Opções | Avaliação de risco | Rastreabilidade | Rotulagem |
Base de referência | Aplica-se o quadro atual | Aplica-se o quadro atual | Aplica-se o quadro atual |
1 | Adaptado para atender a diversos perfis de risco de plantas obtidos por NTG | Aplica-se o quadro atual | Aplica-se o quadro atual |
2 | Adaptado para atender a diversos perfis de risco de plantas obtidos por NTG | Desafios de deteção a serem enfrentados | Duas opções: Rótulo de sustentabilidadeSem rótulo OGM se as características das plantas obtidas por NTG tiverem o potencial de contribuir para a sustentabilidade |
3 | – Adaptado para atender aos diversos perfis de risco das plantas obtidos pela NTG – Requerido para mostrar que a característica introduzida não é prejudicial à sustentabilidade | Desafios de deteção a serem enfrentados | / |
4 | – Não se aplica a plantas obtidas por NTG que possam ocorrer naturalmente ou ser produzidas por reprodução convencional – Para outras plantas, aplicar-se-iam as opções 1, 2 ou 3 | Idem | Idem |
De acordo com o Agra Facts, no documento divulgado, a opção preferida avançada era a opção 4. A opção 2 era a preferida para outras plantas obtidas através de NTG.
O que se segue?
Demorar algum tempo a definir claramente o contexto é um primeiro passo necessário. Nas próximas semanas, queremos analisar atentamente os argumentos da Comissão a favor da desregulamentação. Por exemplo, a Comissão parece confiante que os OGM produzidos através das NTG contribuirão para a sustentabilidade dos nossos sistemas alimentares. Mas que OGM estão de facto a ser desenvolvidos em todo o mundo?
Abrir a porta aos OGMs significaria também abrir a porta às patentes. Qual é a resposta da Comissão ou da indústria a esta questão? Quais seriam as consequências para os agricultores?
Embora a Comissão pareça reconhecer que os desafios de deteção precisam de ser enfrentados, o Conselho de Controlo Regulamentar observou especificamente que ainda havia questões relativas à coabitação com a produção biológica. O que deve ser feito para evitar a contaminação dos campos biológicos. E é de todo evitável?
O artigo foi publicado originalmente em CiB - Centro de Informação de Biotecnologia.