Os habitantes de Famalicão da Serra, uma aldeia do concelho da Guarda atingida pelo incêndio da serra da Estrela, estão a apresentar os prejuízos com a ajuda da Junta de Freguesia, que facilita o processo burocrático.
Uma funcionária da autarquia está a receber a relação dos danos causados pelos incêndios, com o cálculo dos prejuízos apontado pelos proprietários, e a inserir os dados na plataforma da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPCentro).
Segundo o presidente da Junta, António Fontes, até ao momento foram registados “mais de 60 processos”, com valores entre 66 euros e 347.500 euros de danos nesta freguesia que tem cerca de 500 habitantes e que está integrada na área do Parque Natural da Serra da Estrela.
“Mas ainda há muitos mais [processos] para introduzir”, porque a freguesia “perdeu cerca de 90% da área rural e, em termos agrícolas, perdeu-se tudo”, vaticinou.
O autarca referiu à agência Lusa que os pedidos estão a ser apresentados diariamente e apenas hoje não foram efetuados porque, durante a manhã, a localidade estava a ser afetada por uma avaria pontual no serviço de internet.
O resultado do “incêndio foi desastroso e as pessoas precisam de apoio”, disse o autarca, admitindo que as chamas causaram “umas centenas de milhares de euros de prejuízos”.
Numa primeira fase foram auxiliados agricultores com alimentação para o gado e agora está em curso a fase da inserção de “todos os prejuízos” na plataforma da DRAPCentro, indicou.
Os habitantes estão a reportar danos agrícolas, relacionados com a destruição de árvores de fruto, mas também de lenha, armazéns agrícolas e tubagens de rega, entre outros.
O casal Albina e Jaime de Sá, de 73 e 80 anos, respetivamente, apresentou, na segunda-feira, com a ajuda da Junta de Freguesia de Famalicão da Serra, uma declaração de prejuízos no valor de 235.600 euros.
“Na nossa quinta foi tudo [destruído]. O vizinho tinha o terreno sujo e o vento empurrou o fogo para o nosso olival e queimou oliveiras, castanheiros, vinhas, diospireiros … não escapou nada”, relatou, emocionada, Albina de Sá.
A mulher, que falou à Lusa no interior de um café da aldeia, não segurou as lágrimas, quando afirmou: “Não tenho uma couve para comer… Tinha a minha horta pequenina, mas tinha alguma coisinha e ficou tudo queimadinho”.
O marido ainda lhe disse para “não estar nisso” (para não chorar), mas Albina respondeu: “O que queres? Isto dói…!”.
“A nossa reforma é pequena. A horta era um complemento”, rematou a idosa, enquanto secava as lágrimas com as mãos.
Albina de Sá e o marido, que valorizam a ajuda da Junta de Freguesia no processo de comunicação dos danos, esperam que o Estado ajude “com alguma coisa”, porque o seu terreno “ardeu todo”.
Sentado à mesa deste casal, Bruno Almeida, de 38 anos, acompanhado pelos dois filhos menores, também “abriu o livro” dos danos causados pelo fogo na sua propriedade: “Ardeu-me um reboque de um trator agrícola, 600 euros de madeira serrada para deitar o soalho à casa, três mil euros de lenha que tinha comprado para vender, um pinhal, 200 metros de tubo e um canhão de rega de tripé”.
Pelas suas contas, os prejuízos andam “à beira dos quatro mil euros”.
“Espero ter ajuda. Já não pedia mais, a não ser para cobrir a despesa com a lenha que comprei, porque fiquei sem o dinheiro e sem a lenha”, disse Bruno Almeida, que apresentou a relação na terça-feira.
No exterior do café, na esplanada, João Vaz, de 61 anos, contou que reportou os prejuízos nos terrenos dos pais, já idosos, através da Junta de Freguesia que, reconhece, está a prestar um serviço de grande utilidade aos habitantes.
As árvores de fruto da família foram carbonizadas pelas chamas e João aponta que este ano “não há nada”, nem azeite nem fruta: “Tem que haver alguma ajuda do Estado e que chegue efetivamente às pessoas que tiveram o prejuízo”.
Benvinda Santos, de 65 anos, contactada pela Lusa no recinto do mercado mensal da terra, disse que não teve prejuízos agrícolas, mas sublinhou que o cenário em redor da aldeia “é uma dor de alma”.
Na memória ainda tem o incêndio ocorrido em 09 de julho de 2006, que provocou a morte de cinco técnicos florestais chilenos e de um bombeiro voluntário da corporação local, que “foi uma tristeza, mas não teve a violência que teve este agora”.
“Em 2006 foi só a encosta poente que ardeu e, agora, foi praticamente em todo o lado e só escaparam as casas. As duas encostas do vale ficaram destruídas, só escapou o povo porque os bombeiros o guardaram”, disse.
A serra da Estrela foi afetada por um incêndio que deflagrou no dia 06 em Garrocho, no concelho da Covilhã (distrito de Castelo Branco) e que foi dado como dominado no dia 13.
O fogo sofreu uma reativação no dia 15 e foi considerado novamente dominado no dia 17 à noite.
As chamas estenderam-se ao distrito da Guarda, nos municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira, e atingiram ainda o concelho de Belmonte, no distrito de Castelo Branco.
Na segunda-feira, o Governo anunciou que vai decretar o estado de calamidade para responder às necessidades do território atingido pelas chamas.