A análise dos dados mais recentes do da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E) [1], da qual a ZERO é membro, mostra um aumento nas importações de óleo alimentar usado (OAU) para produção de biocombustíveis. Numa altura em que as companhias aéreas promovem cada vez mais a utilização dos biocombustíveis, como uma solução para voos mais limpos, colocando pressão acrescida na produção de biocombustíveis, a importação de OAU é uma situação preocupante e que levanta muitas dúvidas sobre eventuais fraudes.
O consumo de óleo alimentar usado na Europa mais que duplicou entre 2015 e 2022. No entanto, com os fornecimentos locais de OAU limitados pela capacidade das autoridades locais para a recolha e pela quantidade de óleo alimentar usado que os europeus conseguem produzir, atualmente a Europa importa 80% do óleo alimentar usado para a produção de biocombustíveis para abastecer carros, camiões e aviões. A grande maioria (80%) é importada da Ásia, com a China a ter um papel muito relevante com 60% do OAU que chega à Europa. A Europa depende esmagadoramente das importações para o seu abastecimento.
Com a indústria global de aviação a pressionar para que o OAU usado seja um ingrediente-chave no combustível sustentável para a aviação (SAF), e com companhias aéreas a lançarem voos com 100% SAF [2], a procura tenderá a aumentar, exigindo a importação de volumes crescentes.
A elevada procura de OAU aumentou o risco de fraude, onde óleos virgens como o de palma são suspeitos de serem rotulados como “usados” para tirar partido do valor inflacionado dos combustíveis supostamente verdes. Vários países, incluindo a Alemanha e a Irlanda, estão a lançar as suas próprias investigações oficiais sobre os riscos de fraude. A Comissão Europeia também prometeu investigar o biodiesel indonésio alegadamente fraudulento que passa pela China e pelo Reino Unido para contornar impostos.
É fundamental maior transparência no mercado de matérias-primas para a produção de biocombustíveis de forma a evitar que o OAU se torne uma porta de entrada para matérias insustentáveis como, por exemplo o óleo de palma que impulsiona a desflorestação.
Substitutos do óleo de palma
Os dados também mostram que, em 2022 e em comparação com o ano anterior, o biodiesel a partir de óleo de palma diminuiu em quase 30%, em grande medida devido ao abandono da sua utilização por parte de vários países, como França, Dinamarca e Países Baixos. Ao mesmo tempo, a Europa assistiu a uma significativa adesão aos derivados do óleo de palma, como os Palm Oil Mill Effluents (POME) e o Palm Fatty Acid Distillate (PFAD), resultando numa diminuição em cerca de metade na utilização de óleo de palma, tendo em consideração o período entre 2020 e 2022. Nalguns países são rotulados como “resíduos”, no entanto os PFAD são subprodutos do processo de refinação do óleo de palma, e como tal, estão associados a impactos ambientais significativos e a alterações indiretas no uso do solo, tal como acontece com o óleo de palma convencional, cuja utilização para produção de biocombustíveis deverá ser abandonada na União Europeia até 2030.
Biocombustíveis em Portugal
Da análise realizada pela ZERO aos dados oficiais publicados pelo LNEG/ECS [3], o mercado nacional de recolha de OAU somente garante cerca de 10% das necessidades da indústria de biocombustíveis, sendo os restantes importados de mais de 40 países, entre os quais constam Espanha, Malásia, Arábia Saudita e a distante China. Segundo o relatório do T&E, Portugal é o quinto importador de OAU para produção de biocombustíveis, dependendo em 70% da China.
É de referir que, ao longo dos últimos anos, tem-se assistido a uma forte aposta na importação de biodiesel, com um crescimento entre 2020 e 2021, de 5 508 m3 para os 133 158 m3, com um ligeiro decréscimo em 2022 para os 116 637 m3. O valor de importação corresponde a cerca de 30% de todo o biodiesel, incluindo o que é produzido e importado, grande parte do qual é produzido com recurso a efluente de palma e outros resíduos da indústria da palma como cachos de palma vazios, cujas dúvida quanto a eventuais fraudes não estão esclarecidas.
Torna-se fundamental garantir a sustentabilidade e credibilidade no setor dos biocombustíveis a nível nacional e europeu, de forma a que este possa ter um verdadeiro contributo para a descarbonização da sociedade sem recurso a biocombustíveis insustentáveis:
- Eliminando imediatamente os biocombustíveis promotores de desflorestação, como palma e soja, e abandonando a utilização de todos os biocombustíveis à base de culturas alimentares até 2030.
- Garantindo que as matérias-primas insustentáveis como o óleo de palma não são reintroduzidas através de métodos indiretos, assim como outras matérias-primas “avançadas e de resíduos” problemáticas, como por exemplo o OAU.
- Acabando com o apoio às matérias-primas relacionadas com a indústria da palma, que prolongam a insustentabilidade ambiental desta indústria.
- Concentrando-se no potencial de matérias-primas sustentáveis a nível nacional e da UE e reduzindo a dependência de importações de fora da UE.
- Privilegiando o investimento na produção de combustíveis sintéticos baseados em Hidrogénio produzido com energia renovável e na ferrovia de alta velocidade que permita eliminar os voos desnecessários.
Fonte: ZERO