Hoje, o setor da Olivicultura emprega 32 000 pessoas e é um setor agro-tecnológico que nada tem a ver com a imagem que tinha nos princípios do século XX. Precisa desde agrónomos a pilotos de drone, de pessoas para colher como de analistas de informação. E é cada vez mais bem pago. Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Associação de Olivicultores e Lagares explica por que este é um setor com futuro.
Entrevista a Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Associação de Olivicultores e Lagares – Olivum
A Olivicultura é um setor tradicional que tem sabido modernizar-se. Qual tem sido a evolução do setor em Portugal? Até 2014 importava mais do que exportava… Atualmente é o 5.º maior exportador mundial de azeite. O que foi fundamental para essa inversão?
Agricultura de precisão! A tecnologia aplicada ao olival é a variável que mais pesa na equação. Talvez não haja outro setor da agricultura portuguesa em tão pouco tempo tenha dado um salto quântico tão grande. Há certamente setores agrícolas tão ou mais evoluídos que o olival, mas com um processo de evolução tão rápido, nos últimos 10 anos, que permita obter as produtividades atuais será difícil encontrar.
Essa aplicação da tecnologia fez com que a cultura do olival se transformasse muito nos últimos anos. Que impacto essa transformação teve na produtividade?
A quantidade de olival plantado a nível nacional entre 2000 e 2021 não sofreu alterações significativas, pois sempre rondou os 360 000 hectares. A distribuição territorial – e sobretudo as produtividades conseguidas pelo olival de alta densidade – é que alteraram significativamente a caracterização do setor.
A transformação tecnológica do olival levou a que a média, em 2000, fosse de 0,5 toneladas de azeitona por hectare e que hoje tenhamos explorações a fazer 20 toneladas de azeitona por hectare. Esta evolução corresponde ao 2.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, que é precisamente assegurar a segurança alimentar e erradicar a fome, mas também ao 12.º ODS, que está ligado à produção sustentável, que no caso do olival passa, entre outras coisas, por produzir mais, utilizando menos terra e menos recursos.
O que representa o setor da Olivicultura, qual a sua importância, quer para a economia nacional, quer para as economias locais/ regionais?
São 600 milhões de euros em volume de negócios, 500 milhões de euros em exportações e 70 milhões de euros em receita fiscal, dado que tem sido por vezes secundarizado, mas muito relevante. Em relação à receita fiscal, que resulta do sucesso da atividade do sector, tem o Estado a obrigação de investir na melhoria de vida das populações locais, através de equipamentos ao nível da saúde, educação e infraestruturas. Para além disso, o setor emprega 32 000 pessoas e permitiu a criação de um ecossistema empresarial que gira em torno do negócio principal, por via da prestação de serviços acessórios à atividade principal.
Que margem/potencial de crescimento ainda existe para o setor?
A margem de progressão é grande, tendo em conta que é um setor em que se continua a investir, suscitando inclusivamente o interesse de empresas que nem tinham por vocação o investimento em ativos agrícolas no seu ADN.
Há mais 50 000 hectares de regadio projetados para o Alqueva e, sendo o olival uma cultura perfeitamente adaptada às condições edafoclimáticas, com as produtividades a demonstrá-lo, é seguramente um dos setores com olhos postos nas próximas páginas da história do Alqueva e de outros perímetros de rega no país.
O que é preciso para atingir todo o seu potencial?
É preciso que o decisor político olhe para o impacto económico, mas também para as recentes provas dadas em matéria de sustentabilidade ambiental e social dadas pelo setor. Deve o decisor político de forma desassombrada, e sobretudo sustentada do ponto de vista científico, tomar decisões racionais a bem do interesse nacional. Temos assistido à politização de alguns temas relacionados com o olival que materializam um certo tipo de obscurantismo, em termos de informação falaciosa veiculada e isso é problemático para as ambições de Portugal em termos de futuro agroalimentar.
A importância do setor não se esgota em termos económicos. Em termos de emprego, qual tem sido a evolução?
Independentemente da sua natureza, o emprego gerado por este setor, é uma oportunidade demográfica para o país, mas sobretudo para as regiões do interior, em que muitas vezes só o setor agroalimentar investe. O Censos 2021 mostra-nos que há regiões do interior a perder dois dígitos de população. A repovoação dos territórios não se consegue obter por decreto, mas sim por via da oferta de emprego, serviços de saúde e garantias de educação.
É precisamente esta dinâmica empresarial e de oferta de emprego que o setor tem garantido às regiões onde se encontra e ainda assim com dificuldades para encontrar mão-de-obra disponível.
Atualmente, o setor emprega 32 000 pessoas, como já referi, e pode empregar mais e aumentar o número de pessoas contratadas, se as condições de crescimento estiverem asseguradas. Disso mesmo é prova o número de contratações de lagares que foram inaugurados nesta campanha.
O tipo de perfis necessários têm mudado muito?
A mão-de-obra permanente é cada vez mais especializada e cada vez mais bem paga. A mão-de-obra temporária é cada vez mais diversificada, ao nível das proveniências. Em ambos os casos há falta de mão-de-obra, apesar de os salários no setor compararem com o setor dos serviços e de outras indústrias, e de nas zonas rurais o custo de vida ser em média inferior quando comparado com as zonas urbanas.
Diria que o vosso setor é atrativo para trabalhar? A escassez de recursos é um desafio comum a vários sectores…
O setor agroalimentar contribui com 5% para o PIB e é atualmente um dos motores económicos do país. Representa 15% das exportações portuguesas e, ao contrário de outros setores da economia, não despediu nem recorreu ao layoff durante a pandemia.
Tudo isto são razões de atratividade para quem procura um emprego reconhecido e estável. Há ainda uma perceção urbana desajustada sobre o trabalho na agricultura, mas hoje, no caso do azeite, estamos a falar de um setor agro-tecnológico que nada tem a ver com imagem de princípios de século XX, que continua frequentemente a povoar o imaginário coletivo.
Quais são os principais argumentos, em termos de setor empregador?
É um setor que, tendo em conta a necessidade de alimentar os 10 mil milhões de pessoas até 2050, terá de continuar a trabalhar intensamente em soluções, ao nível da produtividade, mas também da eficiência e da sustentabilidade.
É por isso um setor de futuro, que terá que ser encarado pelas novas gerações como uma oportunidade de contributo efetivo para o futuro da humanidade, quer por via do desenvolvimento da tecnologia de precisão, quer ao nível da sustentabilidade ambiental e social.
Quais os principais desafios neste âmbito e como lhes têm dado resposta? O que acredita que ainda pode/ deve ser feito?
Muito haveria por dizer, mas nesta resposta escolho a vertente dos Recursos Humanos, em que a oferta académica nacional e regional está claramente desajustada em relação às necessidades do setor. Os cursos relacionados com o agroalimentar precisam de mudar, não só de nome – porque têm que ser mais apelativos em termos de marketing de imagem –, mas também de conteúdo, pois têm que mostrar uma capacidade de adaptação às necessidades reais do setor.
A título de exemplo, os lagares debatem-se hoje em dia com falta de mão-de-obra altamente especializada. Há ofertas de trabalho bem remuneradas que nunca chegam a ser preenchidas por falta de pessoas com a formação necessária.
Mas, com o avanço tecnológico, o crescimento da produtividade e do emprego não acontecem na mesma proporção. Ou seja, não são precisos tantos recursos…
O setor agroalimentar, tal como todos os outros setores da economia, tende para uma crescente mecanização e digitalização, nesse sentido a falta de mão-de-obra disponível tem acelerado este processo de alteração de perfis laborais.
Hoje, o setor do azeite precisa de agrónomos, tal como precisa de pilotos de drone, precisa de pessoas para colher, tal como precisa de analistas de informação, precisa de tratoristas, tal como precisa de peritos em sondas e estações meteorológicas. Sendo assim, o setor do azeite pode ser atrativo para perfis jovens, que em vez de estarem em meio urbano prestando serviços digitais à distância, podem estar no campo a operar in loco esta revolução tecnológica da agricultura, o que é muito mais aliciante, pois é algo muito operacional que permite o contacto com a natureza, sem perder o foco na tecnologia.
Este tipo de emprego é já considerado por alguns como um dream job, sobretudo em Portugal em que o campo, não raras vezes, está perto dos grandes centros urbanos, permitindo grande mobilidade.
Quais são atualmente os principais desafios do setor?
O maior desafio do setor é certamente a promoção do produto azeite, pois todas as restantes variáveis da equação, como o preço ou aumento das exportações, estão relacionadas com um desejável aumento de consumo.
Portugal é um país produtor e consumidor e não tem essa perceção, pois o consumidor português tem acesso facilitado a um produto de excelência e com um preço muito acessível. A verdade é que o azeite representa apenas 2% das gorduras vegetais consumidas no mundo, sendo que, do ponto de vista nutricional, é seguramente a mais saudável. O óleo de palma representa 30%, a soja 22% e a Colza 13%. Cabe por isso ao sector, mas também ao governo e à União Europeia mobilizarem-se para promover o consumo de azeite e educar nutricionalmente as próximas gerações, numa altura em que tanto se fala de regimes saudáveis de alimentação.
E para a Olivum e os seus associados, quais os principais desafios?
A Olivum representa 45 000 há, com 100 associados de olival com 300 explorações e 15 lagares, que ambicionam continuar a produzir com resultados económicos para o país e para as várias regiões onde laboram, assegurando a autoaprovisionamento de azeite em Portugal, garantindo em simultâneo impactos positivos ao nível da sustentabilidade ambiental e social. São estes os desafios quotidianos da Olivum.
O artigo foi publicado originalmente em Randstand.