O ministro do Ambiente e Ação Climática avisou que o aumento deste bem essencial pode ser “o sinal mais forte” para que os utilizadores mudem comportamentos e usem a água de forma “mais parcimoniosa”. A escassez de água fruto das alterações climáticas, do esbanjamento da mesma e da incapacidade de reter uma grande parte deste recurso, é um tema que urge discutir em todo o País, em geral, mas no Alentejo, em particular.
Texto Aníbal Fernandes
“Se o produto água está a tornar-se escasso, o preço deve refletir essa escassez, tanto mais que esse preço é o sinal mais forte que temos a dar aos [seus] utilizadores no sentido de a usarem de forma mais parcimoniosa”. Foi desta forma que João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática perspetivou a gestão dos recursos hídricos disponíveis no País. Esta declaração foi proferida durante o Congresso da Água, organizado pela Associação dos Recursos Hídricos, realizado na passada segunda-feira, dia 22, para assinalar o Dia Mundial da Água.
Segundo o governante, são as regiões do Alentejo e Algarve – com um problema crónico de falta de água – aquelas que mais preocupações levantam, devido ao aumento significativo da procura.
O relatório “Impacto das Alterações Climáticas na Península Ibérica – Menos chuva e mais incerteza para os rios ibéricos”, efetuado pela ANP-WWF (Associação Natureza Portugal – World Wide Fund for Nature) e divulgado na passada segunda-feira, também traça um cenário “sombrio” para as próximas décadas. No entanto, deixa em aberto a possibilidade de trilhar um caminho para minimizar os impactos previstos.
Entre as soluções apresentadas, também defende a adoção de “uma política de preços” que leve em linha de conta o princípio do “poluidor pagador”, nomeadamente em Espanha ,onde as autoridades são desafiadas a instaurar “uma tarifa para o uso da água do subsolo, para parar com a exploração excessiva dos aquíferos como o do alto Guadiana ou Doñana”, e também aconselha “as autoridades portuguesas a fazer o mesmo para os aquíferos da costa sul do Algarve. Ambas devem estabelecer tarifas de água progressivas de acordo com os volumes de água utilizados para irrigação na maior parte dos distritos das bacias hidrográficas”.
Um estudo encomendado pela Fundação Gulbenkian revela, por outro lado, que a agricultura em Portugal é a atividade responsável pelo consumo de 75 por cento da água disponível. O documento acrescenta que 71 por cento das explorações agrícolas nacionais não têm contador instalado, acedendo a este recurso diretamente, através de furos, charcas e barragens. Ainda segundo a mesma fonte, dois terços dos agricultores precisam de apoio técnico para poderem dar o “salto tecnológico” que permita modos de produção mais sustentáveis, mas, no entanto, cerca de 65 por cento já recorrem ao sistema gota a gota, uma forma de rega mais eficiente.
Para atingir esse objetivo, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz existirem no PDR2020 apoios disponíveis para promover um uso mais sustentável da água, destinados, entre outros, à melhoria de regadios existentes.
EVOLUÇÃO NEGATIVA DA PRECIPITAÇÃO
João Pedro Matos Fernandes lembra que os cenários climáticos para as próximas décadas “apontam para uma evolução negativa da precipitação que pode atingir entre 15 e 30 por cento”, e avisa que “o agravamento destas irregularidades e a seca, em partes do Alentejo e Algarve, já apresenta um caráter estrutural”.
Mas o ministro garante que são situações que “têm solução” desde que haja o comprometimento de todos os utilizadores. O consumo moderado de água é uma das formas para minimizar o problema, não só no setor agrícola, mas também no consumo humano onde as perdas são importantes.
Segundo dados divulgados pela APA, estima-se que, em 2018, as perdas nos sistemas de abastecimento urbano de água rondavam os 30 por cento em todo o país, mas a situação tem vindo a melhorar. A título de exemplo, refira-se o caso da EMAS de Beja que em 2020 obteve o resultado de 19,8 por cento no indicador ANF (Água Não Faturada), o que compara com a média do distrito de Beja, que é de 40 por cento.
Em comunicado, a EMAS explica que “a perda de água tem sido uma preocupação crescente das entidades gestoras de serviços de águas, pelos seus impactos financeiros e ambientais, mas também pela necessidade de mitigar os efeitos sentidos nos territórios causados pelas alterações climáticas”.
AMEAÇA SEM PRECEDENTES
A propósito do Dia Mundial da Água, o secretário-geral da ONU, António Guterres, divulgou uma mensagem preocupante: “atualmente, cerca de 2,2 milhões de pessoas não têm acesso a água potável” e esse número, em 2050, pode duplicar, sendo que dos 4,4 milhões de pessoas estimadas, “mil milhões viverão em cidades”.
É um efeito das perturbações climáticas que para além da seca também se manifesta com inundações, desaparecimento de icebergs, avanço da água salgada ou o aumento do nível do mar, explica o ex-primeiro-ministro português.
Como solução, Guterres aponta a necessidade de “aumentar urgentemente os investimentos em bacias hidrográficas e infraestruturas de água saudável, melhorar drasticamente a eficiência do uso da água” e “controlar a curva de emissões” de gases para a atmosfera.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que existem causas naturais que contribuem para a contaminação dos oceanos, rios, lagos e barragens, mas é a atividade humana a causadora de maiores estragos.
Desde logo o aumento da temperatura global que aquece a água e diminui o seu nível de oxigénio, o desmatamento de florestas (como em África ou na Amazónia); ou as atividades industriais, agrícolas e pecuárias que descartam efluentes químicos causadores da eutrofização da água. Como consequências da poluição hídrica surge o empobrecimento dos ecossistemas; a poluição na cadeia alimentar; a escassez de água potável; as doenças e o aumento da mortalidade infantil.
ACOS defende mais armazenamento
Entrevista a Rui Garrido, presidente da ACOS
A água tem sido, desde sempre, um tema da Ovibeja. O que é que está planeado para este ano?
O tema da água para regadio vai ser tratado em dois momentos distintos: “A Utilização e Gestão de Perímetros de Rega Públicos – Experiências Europeias” e “Gestão do Regadio no Perímetro do EFMA”. Para estes debates estão convidados especialistas nacionais e internacionais, agricultores, responsáveis políticos nacionais e comunitários. Associado ao tema central da 37.ª Ovibeja “Agricultura ConsCiência” pretendemos acrescentar informação científica à forma como se faz agricultura hoje. Os novos desafios a que os agricultores têm de responder face às alterações climáticas obrigam à equação de novos paradigmas que importa considerar a nível estratégico por parte dos decisores políticos nacionais e comunitários. Este processo exige conhecimento fundamentado da realidade do campo, da atividade agrícola e agropecuária, do papel dos agricultores e das suas entidades representativas enquanto agentes fundamentais na preservação do mundo rural e guardiões da biodiversidade.
Enquanto representante dos agricultores da região tem defendido um modelo diferente de exploração do Alqueva. Em que consiste e como ficariam garantidos as outras valências sob a responsabilidade da EDIA (por exemplo, a defesa do património ambiental e cultural)?
A gestão da rede secundária do EFMA por entidades do tipo associativo tem sido a posição de princípio que a ACOS sempre tem defendido. Entendemos que, pela sua proximidade, uma gestão executada pelos agricultores constituídos em associações, existentes ou a criar, será sempre mais eficiente, mais equilibrada, mais económica e mais comparticipada, contrariamente ao modelo atual em que os agricultores não têm influência direta em decisões tomadas pela EDIA sobre estas matérias. A gestão do regadio que defendemos pressupõe que os agricultores se organizem em várias associações de regantes com dimensão adequada, com integração das áreas confinantes aos perímetros de rega já existentes e geridos pelos agricultores. Onde, por razões várias, não for possível os agricultores organizarem-se, então sim, deverá ser a EDIA a efetuar a gestão destas áreas. Defendemos ainda que a EDIA deverá manter a gestão da rede primária, sendo que a salvaguarda dos interesses de todos sairá reforçada, por uma boa articulação entre as diferentes entidades responsáveis pelo uso da água e respetivo poder central.
As alterações climáticas têm forte impacto na diminuição da água disponível. Que medidas considera serem mais urgentes para minimizar as consequências deste cenário?
Além da crescente eficiência através do uso de tecnologias de ponta, é importante reforçar mecanismos de armazenamento de água. A ACOS defende mais opções de captação e armazenamento de água de modo a evitar, o mais possível, as escorrências para o mar. As alterações climáticas têm revelado um aumento da frequência de fenómenos extremos, com secas mais severas e prolongadas e períodos curtos de chuvas torrenciais. De acordo com as previsões dos especialistas, as regiões do sul da Europa serão as mais afetadas. Em nosso entender deverá ser delineada e construída uma rede de aproveitamento desta água das chuvas no território, sob pena de ser perdida na totalidade para o mar. A agricultura é a base da alimentação humana e animal. Devemos ter essa consciência e trabalharmos para a utilização sustentável e eficiente da água, quer para o consumo humano, mas também para a agricultura de regadio e para o abeberamento dos efetivos pecuários.
“É PRECISO ALTERAR POLÍTICAS”
Entrevista a José Janela, Quercus Alentejo
Em Portugal, 75 por cento da água disponível é consumida pelo setor agrícola. É uma situação sustentável? O que é que se pode fazer para racionalizar o seu uso?
Não nos parece uma situação sustentável, sobretudo em zonas onde o problema de falta de água se tem agudizado, como é o caso do Alentejo. É preciso, por exemplo, que sejam alteradas políticas agrícolas, que premeiam em excesso as culturas de regadio, e que se passe para um modelo de maior apoio às culturas de sequeiro. Também é importante que as culturas de regadio existentes optem por melhores práticas, que possam reduzir o consumo de água. Infelizmente, continuamos a ver demasiadas vezes no verão ‘pivots’ de rega a regar em horas de calor extremo, com grande parte da água a evaporar-se sem chegar às plantas. Este tipo de situações deveria acabar e é necessário também penalizar quem não faz um bom uso deste recurso fundamental à vida.
As alterações climáticas apontam para períodos de seca mais prolongados. Que medidas são necessárias para mitigar os efeitos resultantes desse fenómeno?
Infelizmente, os cenários apontam todos nesse sentido e o nosso país será dos mais afetados a nível europeu. Ou seja, se atualmente já sentimos que a situação de falta de água se agravou nas últimas duas ou três décadas, no futuro vamos sentir esse problema de forma ainda mais marcada. Não existem soluções fáceis, até porque o nosso país, pelo facto de estar situado na região mediterrânica, tem, por norma, temperaturas muito altas e tempo muito seco no verão, o que dificulta o acesso à água, sobretudo durante este período e o que se segue (outono). É preciso que cada cidadão faça uso de todas as soluções para poupar água no seu dia-a-dia, mas compete também ao Estado e ao setor privado e social, agir e dar o melhor exemplo.
Ainda é possível inverter a situação? Como?
Sabemos que não vamos conseguir travar os efeitos das alterações climática a curto prazo, pois todas as medidas que tomemos na atualidade levam muito tempo a surtir efeito. Por isso, o que há a fazer é continuar a trabalhar para inverter a situação, de modo a que as próximas gerações não sejam ainda mais penalizadas que a nossa. Todas as ações que permitam poupar água são determinantes, mas não nos podemos esquecer que o consumo indireto de água está praticamente em tudo o que fazemos. Ou seja, devemos apostar igualmente em ações que permitam poupar recursos naturais, consumindo menos e melhor, apostar na poupança e eficiência energética, privilegiando as fontes energéticas renováveis, melhorar a nossa alimentação, com produtos mais sustentáveis e locais, entre outras.
O artigo foi publicado originalmente em Diário do Alentejo.