A Silopor – Empresa de Silos Portuários é essencial para a alimentação nacional. O encerramento e privatização do serviço está em lei desde o ano 2000. O presidente da comissão liquidatária está no cargo há 23 anos
Provavelmente nunca ouviu falar da Silopor, uma empresa com capitais totalmente públicos. No entanto, se vive em Portugal, dificilmente não terá comido alguma coisa nos últimos tempos cuja matéria prima não tenha alguma ligação aos seus silos portuários.
A Silopor tem silos em Santarém, em Lisboa e na Trafaria (Almada) onde existe o único porto de águas profundas capaz de receber os maiores navios de cereais que permitem ter preços mais baixos de transporte.
É na Trafaria que estão os maiores silos do país e cerca de metade dos cereais que se consomem em Portugal passam por esta empresa pública que está em liquidação há 23 anos, desde que o Governo de António Guterres decidiu fechá-la e privatizar o seu serviço de descarga e armazenamento de cereais, depois de uma imposição da Comissão Europeia.
Abel Vinagre é desde 2000 o presidente da comissão liquidatária da Silopor e numa entrevista ao Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) admite que esperava ficar apenas um ou dois anos no cargo.
A missão dos administradores das empresas em liquidação só termina quando a empresa de facto fecha, mas neste caso todos os prazos foram largamente ultrapassados – a lei prevê um máximo de dois anos prorrogável por mais um.
Vinte e três anos depois e sem data para fechar, numa indecisão que se arrasta, dificilmente outra empresa pública teve o mesmo gestor à frente dos seus destinos durante tanto tempo.
Empresários dizem que impasse agrava preços da alimentação
A situação da Silopor preocupa as associações de empresas de várias áreas do setor agroalimentar. Em causa a falta de investimento provocada pelo longo processo de liquidação.
A empresa até tem dinheiro disponível, mas por estar em liquidação não pode investir, nomeadamente num aumento da capacidade de armazenamento de cereais previsto desde 2007.
O problema agravou-se com o início da guerra na Ucrânia: o receio de que a Rússia venha a travar a saída de mais cereais da Ucrânia levou os importadores a tirarem o máximo de matéria prima do leste da Europa.
Os silos da Silopor estão recorrentemente cheios, avisam os empresários que usam o espaço como ponto de descarga para fazer chegar os cereais às suas indústrias.
Num problema mais grave numa época de alta inflação, os navios ficam dias à espera ao largo de Lisboa, agravando os custos que acabam por se reflectir nos preços pagos pelos consumidores finais de tantos alimentos – da carne aos ovos, passando pelo leite, o pão ou as massas, por exemplo.
Proibida de contratar para os quadros
Abel Vinagre, o presidente da comissão liquidatária, compreende parte das críticas e confirma que por estar em liquidação a Silopor não pode investir, mas desdramatiza as esperas dos navios, sublinhando que mesmo que existisse mais espaço (com a construção de mais silos) seria impossível descarregar mais navios ou ter mais camiões para retirar os cereais da Trafaria.
O longo processo de liquidação tem ainda outra consequência: há 23 anos que esta empresa pública está proibida de contratar para os quadros.
Os muitos funcionários que entretanto se reformaram só podem ser substituídos por contratos a prazo.
Governo não responde
Sem respostas do Ministério das Finanças ou da Comissão Europeia às questões da TVI sobre o futuro desta empresa, o destino traçado desde 2000 para a Silopor, em decreto-lei, é a liquidação e privatização de um serviço fundamental para tantas indústrias agroalimentares e, indirectamente, para a alimentação dos portugueses.
Quando o fecho foi decidido, há 23 anos, a empresa dava prejuízo e estava cheia de dívidas provocadas pela construção das instalações da Trafaria.
As instalações tinham sido construídas na década de 1980, mas o Estado não podia pagar as dívidas dessa época sob pena de serem consideradas ajudas públicas à margem das regras da União Europeia.
Apesar de não responder às questões feitas pela TVI, fonte oficial da Comissão Europeia confirmou, por escrito, que é da responsabilidade dos Estados “garantir o cumprimento completo” de qualquer decisão comunitária e confirmou que o fecho e privatização da Silopor nasceu de uma decisão deste tipo com data de 1997.
Uma das empresas públicas com mais margem de lucro
Com uma liquidação que se arrasta há tanto tempo, o cenário de sufoco financeiro inverteu-se, contudo, por completo.
Há vários anos que a Silopor dá lucro e 2023 encaminha-se, de novo, para ser o melhor ano de sempre, depois de 2022 ter terminado com um novo máximo de 3,8 milhões de euros de resultado líquido positivo, mesmo depois de descontados os impostos.
Os empresários do sector agroalimentar queixam-se que a Silopor faz preços mais caros que outros portos em Espanha, algo que também se reflecte nos preços pagos pelos consumidores finais, mas como é o porto mais próximo de tantas empresas que precisam de cereais as instalações da Trafaria dificilmente têm concorrência.
Em liquidação, a Silopor – Empresa de Silos Portuários é hoje uma das empresas do Estado com maior margem de lucro.
Satisfeito com o trabalho que fez ao longo de mais de duas décadas e já bem acima da idade habitual de reforma, o presidente da comissão liquidatária, Abel Vinagre, admite, no entanto, que está na hora de encontrar uma solução para a Silopor.