Numa altura em que as preocupações ecológicas e as alterações climáticas dominam as atenções, o interesse pela floresta e pelas atividades rurais decresce. O fenómeno (e paradoxo) não é recente. Nas últimas décadas, têm sido cada vez menos os jovens a procurar conhecimentos, técnicas e práticas florestais. As universidades ressentem-se, tentando adaptar-se à mudança e contrariar a fuga de alunos, mas sem grande sucesso. Neste momento existem três cursos na área florestal “core” – Engenharia Florestal no Instituto Superior de Agronomia (ISA), Ciências Florestais e Recursos Naturais na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, e Engenharia e Biotecnologia Florestal nas universidades do Porto e de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) – e todos os anos letivos decresce o número de alunos a entrar no primeiro ano.
A imagem que as pessoas têm da floresta parece ser uma das principais causas. “Isto deve-se, sobretudo, a um problema comunicacional, que não é exclusivo de Portugal, também ocorre em toda a Europa”, alerta António Guerreiro de Brito, presidente do ISA, salientando: “A floresta deveria ser associada a um valor para a sociedade e como o melhor sumidouro terrestre de carbono ou a maior fonte de materiais para embalagens biodegradáveis. Contudo, o que mais se lê e ouve foca-se nos eucaliptos e cortes de árvores, e noutras facetas pouco esclarecidas”.
Domingos Lopes, diretor do Departamento de Ciências Florestais e Arquitetura Paisagista na UTAD e responsável pelo curso de Engenharia e Biotecnologia Florestal desta universidade e da Universidade do Porto, partilha esta preocupação, confirmando que “o desinteresse dos jovens tem a ver com a imagem que se passa desta área”, que faz crer que “a floresta não é atrativa”. Além de que, acrescenta, o território florestal é hoje visto sobretudo como um problema, “associado quase sempre aos incêndios”.
Desertificação e desinteresse
A par disto, Domingos Lopes destaca “um problema cultural muito profundo”, que consiste no facto de “vermos o país a partir de Lisboa e do Porto e de não estarmos a conseguir cidades interiores dinâmicas, capazes de reverter esta situação”. O que, naturalmente, tem contribuído para uma fuga contínua da população para o litoral e para um desinteresse crescente pelo interior e, consequentemente, pelas florestas. Perante tudo isto, “como vamos atrair os jovens? E que país vamos ter no futuro?”, interroga-se, apelando a uma “reflexão séria” sobre o assunto. “O setor primário é hoje muito pouco atrativo para os jovens”, concorda Joaquim Sande Silva, diretor do curso de Ciências Florestais e Recursos Naturais na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, também ele sublinhando “o desinteresse dos jovens pelas atividades rurais” e a “urbanização da sociedade”. E o futuro não parece animador. “A ideia de revitalizar o mundo rural e de levar as pessoas para o campo não se está a verificar… e os sociólogos não preveem que isso venha a acontecer em breve”.
Reforçar a tecnologia
No ISA, há muito que se pensa no assunto. Apesar de ser a instituição universitária com o melhor registo de procura em Portugal na área florestal, nos últimos cinco anos apenas contou com cerca de uma centena de admissões na licenciatura e 60 nos mestrados, números “claramente insuficientes para as necessidades do país”, como reconhece António Guerreiro de Brito. Perante isto, “o ensino universitário está a responder aos desafios da floresta”, estando em curso várias iniciativas “para comunicar que a profissão é atrativa”, revela. E precisa: “Primeiro, procuramos divulgar aos potenciais estudantes que obter um emprego depois do curso não tem qualquer dificuldade e que esse emprego é interessante, que é bom para o planeta e que permite estar com a natureza, porque há florestas no meio rural, mas também porque há florestas e árvores nas cidades. Em segundo lugar, queremos reforçar a perceção de que os licenciados e mestres florestais podem ser engenheiros dos recursos naturais, pelo que podem ir para além das árvores e abrangerem todo o ecossistema na sua ação”.
No âmbito destas ideias, o ISA concluiu uma reestruturação da licenciatura de Engenharia Florestal e do mestrado de Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, para “tornar o ensino mais apelativo”, introduzindo novas temáticas e mostrando “melhor aos jovens as várias funções do território florestal, nos diversos domínios da proteção, conservação e produção”. Uma das estratégias “é o favorecimento de uma abordagem de ensino mais integrado”. Exemplos disso, avança, “são a gestão avançada com uso de técnicas de deteção remota, que fazem uso de sensores e Inteligência Artificial como instrumentos de apoio à decisão, e o potencial da biotecnologia e da química fina de base florestal”.
A norte do país, também a UTAD se tem esforçado para atrair alunos e contrariar esta “forma sobranceira como olhamos para a floresta”, nas palavras de Domingos Lopes. O curso, ministrado agora em parceria com a Universidade do Porto, já mudou de nome – chama-se Engenharia e Biotecnologia Florestal –, tentando combinar “o conhecimento do setor florestal com tecnologias na fronteira do desenvolvimento tecnológico aplicado a espécies e ecossistemas florestais” e integrando novos conteúdos, mais adaptados à realidade e a uma nova visão do trabalho. No fundo, trata-se de um “reforço da componente tecnológica”, porque, justifica, “a tecnologia pode e deve ser utilizada nesta área e há, inclusivamente, muito trabalho que já pode ser feito à distância”. Nesta aposta de mudança, e, em particular para “reforçar a componente tecnológica” do curso, uma nova licenciatura em Ciências e Tecnologia Florestais (que substituirá a anterior) já foi submetida pela UTAD e pela Universidade do Porto.
Também em Coimbra, a aposta vai para uma “mudança de paradigma” do curso, numa tentativa de o adaptar a uma nova realidade e, assim, de atrair alunos. “Já fizemos algumas alterações ao curso e ficámos mais bem colocados nos resultados do acesso ao ensino superior”, revela Joaquim Sande Silva, adiantando que no ano letivo 2023-2024 conseguiram ter 17 alunos no 1º ano (nove que entraram na 1ª fase do concurso nacional de acesso, mais oito provenientes de cursos superiores técnico-profissionais). Ainda assim, reconhece que o número é insuficiente e que o futuro não é risonho.
António Guerreiro de Brito, presidente do ISA, acrescenta que “a FAO previu que o consumo de produtos primários florestais aumentará 37% até 2050, sem contar com as aplicações emergentes das fibras da madeira e da madeira para substituir materiais não renováveis, numa ótica de bioeconomia”, pelo que “existem, por isso, muitas oportunidades e atividades que podem favorecer o emprego e a fixação de população em zonas do interior”. Uma “boa gestão da floresta, diversa e multifuncional, é um elemento essencial para a sensibilização e educação ambiental dos jovens”, sublinha. Mas há mais. De uma outra gestão (e visão) depende também a sua valorização económica, a melhoria da nossa qualidade de vida e o futuro do planeta.
Excerto do texto originalmente publicado na revista Produtores Florestais nº 15, de setembro de 2024, que pode descarregar aqui, para ler na íntegra.
O artigo foi publicado originalmente em Produtores Florestais.