A invasão russa da Ucrânia tem sido a causa da morte de muitos ucranianos e russos, mas as vítimas da guerra não se restringem às fronteiras destes países: estão espalhadas por todo o mundo, são de nacionalidades diversas e morrem não com bombas ou balas, mas à fome
Desde o começo da guerra na Ucrânia, a 24 de fevereiro, que mais de mil civis morreram e, pelo menos, 1650 ficaram feridos, segundo números lançados pela ONU a 25 de março. A contagem é feita apenas das vítimas da guerra que se encontravam ou encontram dentro das fronteiras ucranianas. Mas o confronto entre os dois países afeta pessoas além dos seus limites, com a fome a ser uma das principais causas de morte.
Muitos países já por si vulneráveis – alguns vítima de guerra e/ou condições meteorológicas extremas -dependem da importação de uma série extensa de bens básicos. Vários países africanos e asiáticos recorrem à Rússia e Ucrânia para a importação de trigo, milho e óleo de girassol, como é o caso da Somália, Sudão, Ruanda, Uganda, Quénia, Iémen e outros países localizados, nomeadamente no sudoeste asiático e África oriental.
De facto, os dois vizinhos, Rússia e Ucrânia, destacam-se no mercado destes produtos base enquanto líderes de exportação e produção, representando, quando avaliados em conjunto, cerca de 20% das exportações totais de trigo a nível mundial e 40% das exportações de óleo de girassol no ano de 2020, de acordo com dados do Programa Alimentar Mundial (WFP).
Numa reunião do Parlamento Europeu a 28 de fevereiro, Michael Scannell, vice-diretor da Direção Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, reforçou outros números igualmente preocupantes assinalando que “estes dois países representam 32% do comércio internacional. Para o milho, é de 17%, e óleo de girassol e sementes e farelo é superior a 50%”.
A depender significativamente desta produção estão as zonas do sudoeste asiático e áfrica oriental cujo o consumo de, por exemplo, trigo e produtos à base de trigo constitui cerca de um terço do consumo total de cereais com aproximadamente 84% dessa demanda a depender, em países como Djibuti, Eritreia e Sudão, das importações.
Em 2020, as importações de produtos agrícolas à Rússia por parte de países africanos ultrapassou os 3 mil milhões de euros e importações à Ucrânia os 2 mil milhões, segundo o Centro de Comércio Internacional.
Muitos dos países que dependem da Rússia e Ucrânia encontram-se em situações sensíveis de extrema vulnerabilidade. A Somália, por exemplo, está, de momento, a viver a sua pior seca em 40 anos com a quarta época de chuvas consecutiva a falhar e cerca de 28 milhões de pessoas em risco de fome severa. Várias outras problemáticas afetam as regiões da África oriental e sudoeste asiático, nomeadamente a nível económico. Uma questão que, agravada pela pandemia e pelo avanço da crise climática conduziu a região a uma das suas “piores crises económicas em décadas”, como explica a Oxfam, uma organização global de combate à pobreza.
Aos problemas internos que enfrentam, une-se, agora, a guerra da Ucrânia que já conduziu a um aumento significativo dos preços de alguns bens como o trigo, milho e óleo de girassol, comparável, segundo o WFP, “aos níveis registados durante a crise financeira global de 2008”, considerada uma das principais crises do século XXI com impactos transversais a todo o mercado. O que vem desta subida de preços? […]