Uma aliança de produtores da ilha cabo-verdiana de Santo Antão vai fornecer num mês 10,5 toneladas de alimentos às cantinas de municípios afetados por insegurança alimentar severa, ao abrigo de um programa do Governo e da FAO.
Este apoio, que resulta de um memorando de entendimento assinado em março passado entre a Fundação Cabo-verdiana de Ação Social Escolar (Ficase) e a Aliança de Produtores e Produtoras de Santo Antão, vai permitir reforçar a dieta de 6.712 crianças que frequentam as cantinas das escolas do ensino básico integrado e dos centros de ensino pré-escolar em Porto Novo, Paul e Ribeira Grande.
As entregas dos produtos agrícolas locais, num total de 10.522 quilogramas, vão decorrer durante um mês, até 16 de junho, ao abrigo do Programa Nacional de Alimentação Escolar e enquadradas nas atividades de resposta à emergência socioeconómica e alimentar, explicou fonte da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que tem trabalhado em conjunto com o Governo cabo-verdiano.
“Os produtos fornecidos são abóbora, banana, batata inglesa, cebola, cenoura, inhame, repolho e tomate provenientes de agricultores familiares de diversas zonas da ilha, e processados e distribuídos através dos entrepostos agrícolas comunitários”, explicou a fonte.
Em concreto, este projeto piloto apoiado pela FAO pretende apoiar com “meios de subsistência” as famílias “vulneráveis” dos municípios “afetados por insegurança alimentar severa”, bem como “salvaguardar a segurança alimentar e os meios de subsistência das populações mais vulneráveis antecipando as consequências futuras da crise ucraniana sobre a crise alimentar em Cabo Verde”.
O fornecimento envolve uma “aliança” liderada pela Associação de Agricultores de Ribeira da Cruz, juntamente com as associações de produtores de Tarrafal de Monte Trigo, Jorge Luis, Martiene, Alto Mira, Paul, Janela e Garça de Cima.
A representante da FAO em Cabo Verde afirmou em outubro passado as sucessivas crises que têm atingido Cabo Verde, da seca prolongada à pandemia ou ao aumento dos preços, não provocaram fome extrema, mas um terço da população não tem uma dieta saudável.
“Não, fome, pelo menos os nossos dados não falam nisso. Mas sim, há 100 mil pessoas que estão numa condição de maior vulnerabilidade, que são as que estão a receber alimentos”, disse Ana Touza.
“Há um número reduzido, não de fome extrema, mas de alta vulnerabilidade”, acrescentou.
Os 100 mil cabo-verdianos que a FAO identifica em situação de vulnerabilidade são pessoas sem trabalho ou acesso a rendimentos, que recebem apoio em alimentos, mas a organização estima ainda que, globalmente, um terço dos cerca de 490 mil habitantes do arquipélago não têm uma dieta saudável diariamente.
“No contexto em que estamos, praticamente um terço da população tem dificuldades para ter uma dieta saudável. Uma dieta saudável é uma dieta equilibrada, estamos a falar de ter proteínas, todos os nutrientes. Então, há um terço da população que tem dificuldades para atingir uma dieta saudável, não estão a fazer todas as refeições por dia ou estão a comer mais cereais do que outros produtos mais nutritivos”, sublinhou Ana Touza.
Em declarações à Lusa, a representante da FAO apontou que apesar de Cabo Verde ter uma “agricultura pequena”, produz “alimentos nutritivos e que estão disponíveis”.
“Mas sempre há vulnerabilidade pela importação de alimentos, num contexto em que os preços estão a aumentar, continuam a aumentar”, destacou.
“Cabo Verde tem condições de resiliência diferentes das do resto da região. Primeiro porque tem uma situação de paz e de democracia que em muitos lugares não há e isso dá para pensar, para planear, para tomar decisões, para fazer o trabalho que tem que ser feito. E neste contexto está-se a trabalhar sobretudo em dar acesso a rendimentos a famílias mais vulneráveis”, reconheceu ainda.
No contexto regional, o caso de Cabo Verde, fortemente afetado por mais de quatro anos de seca severa, pelos efeitos da pandemia de covid-19 no turismo – que representa 25% do Produto Interno Bruto – e pela crise de preços, quando importa cerca de 80% dos alimentos que consome, é “extraordinário”, enfatizou Ana Touza.