Milhares de abacateiros em Lagos, Castro Marim e Tavira foram chumbados pelas autoridades ambientais apesar de já estarem plantados. A promessa era arrancar as árvores, mas os anos passam e nada muda
Em época de seca severa e extrema no Algarve, num problema que se agrava com as alterações climáticas, há pelo menos três grandes plantações de abacateiros a consumir água apesar de terem nascido de forma “ilegal”, segundo a avaliação das autoridades ambientais do Estado.
As árvores desta fruta tropical continuam no mesmo sítio em locais protegidos ou (num caso) em cima da principal reserva de água de uma das zonas mais secas do Algarve.
Os processos arrastam-se à espera que a justiça decida o futuro de milhares de abacateiros.
A reportagem “A lei do abacate” feita pela TVI (do grupo da CNN Portugal) revela as dificuldades do Estado em controlar um fruto a que muitos chamam “ouro verde”.
Os vizinhos das plantações e os ambientalistas, bem como os autarcas, estão preocupados com o consumo de água destes abacateiros num Algarve alvo de uma seca cada vez mais persistente.
Abacates ameaçam reserva estratégica de água
A escassez de água foi, aliás, o principal argumento para chumbar, em abril de 2021, uma enorme plantação de abacates em Lagos com 128 hectares.
A notícia do chumbo depois da avaliação ambiental (obrigatória para plantações acima dos 100 hectares) foi conhecida em abril de 2021 e deu esperança a quem tinha lutado contra tantos abacates em cima do mais importante aquífero desta zona do Algarve, onde a única barragem existente tem hoje apenas 11% da capacidade ocupada.
O Ministro do Ambiente da época, Matos Fernandes, foi peremptório a dizer, no Parlamento, que a plantação de abacates em Lagos estava “ilegal”.
Os dois furos autorizados para o aquífero estavam a consumir mais 68% do que tinha sido autorizado, como se lê na Declaração de Impacte Ambiental: “O volume de água a extrair do aquífero para a rega de 128 hectares de abacates irá pôr em risco a massa de água como reserva estratégica para abastecimento público, nomeadamente em anos secos a extremamente secos”.
Dez a 20 anos nos tribunais?
O problema é que as avaliações ambientais fazem-se antes dos projetos chegarem ao terreno e aqui aconteceu o contrário – os abacates já estavam plantados, a crescer e a consumir água. Era preciso repor pelo menos grande parte do terreno como estava antes.
Para surpresa dos ambientalistas, já depois do chumbo do projeto, a decisão das autoridades ambientais foi de exigir a reposição de apenas 56 hectares e manter os 72 hectares de abacates que tinham tido uma autorização inicial, mas mesmo assim o promotor recusou, nem fez os exigidos corredores ecológicos ou recuperou a ribeira destruída pelos abacateiros.
Apesar da insistência, o dono da empresa Frutineves nunca respondeu aos pedidos de entrevista da TVI, mas fez aquilo que disse ao jornal Expresso em 2021, quando avisou que tinha licenças para tudo e que o caso iria andar “10 a 20 anos” nos tribunais.
Empresa “aproveita” lei
O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), entidade que em nome do Estado e do Governo ficou com a tarefa de forçar a decisão ambiental, diz que este caso é “desconfortável”.
José Apolinário sublinha que estamos numa fase “em que todas as gotas de água contam” e explica que “o proprietário tem recorrido aos tribunais para atrasar e não implementar as medidas determinadas”, apresentando argumentos que nunca tinha apresentado antes.
Entre esses argumentos está o facto de, afinal, parte do terreno estar alugado a uma outra empresa o que fará, na opinião da empresa, com que a declaração de impacto ambiental seja nula.
José Apolinário admite que a lei não prevê a figura dos “efeitos cumulativos” e agora tudo depende da interpretação dos tribunais, sendo certo que a CCDR já analisou os documentos e concluiu que o sócio-gerente das duas empresas é a mesma pessoa.
Para atrasar ainda mais o processo, o tribunal demorou um ano e três meses a concluir que a primeira queixa da empresa foi feita contra o ministério errado, o que segundo a CCDR Algarve lhe permitiu “ganhar mais algum tempo”.
A CCDR fala num “incumprimento reiterado” e Claudia Sil, ambientalista especialista em gestão da água, acrescenta que “a fonte de rendimento” da empresa “é ilegal e pode ser usada para andar a atrasar os tribunais”.
Abacates em zonas protegidas
Além de Lagos, também em Castro Marim e Tavira há abacateiros chumbados nos últimos anos pelas autoridades ambientais que continuam no terreno, à espera que a justiça avance e decida quem tem razão.
Para espanto da autarquia local, uma dessas plantações intensivas de abacates nasceu na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, num espaço que o município considera “a jóia da coroa do concelho”, onde todas as atividades são altamente condicionadas.
Neste caso também houve uma declaração de ilegalidade em 2021 em relação a parte da plantação, mas o promotor alega que teve uma primeira autorização do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) que mais tarde foi considerada nula pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).
Finalmente, no Parque Natural da Ria Formosa, o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) até deu uma ordem de embargo a uma plantação de abacates. Porém, a ordem nunca foi cumprida.
A queixa-crime foi encaminhada para o Ministério Público e os abacateiros continuam no mesmo sítio, a serem regados e a crescer, à espera de uma decisão da justiça portuguesa.