A vindima de 2024 é de incertezas e de angústia para pequenos e médios viticultores da Região Demarcada do Douro que estão a deixar parte das uvas na vinha por falta de compradores.
“No ano passado consegui vender tudo, este ano fico com 50% na vinha”, afirmou António Alves, de Moura Morta, Peso da Régua, que fala numa vindima de tristezas e longe da festa que, nesta altura, se espalhava pelo Douro.
O viticultor acabou a vindima na sexta-feira, mas apenas das uvas destinadas ao benefício (quantidade de mosto que cada produtor pode destinar à produção do vinho do Porto) e mais 20% das restantes.
“O resto fica pendurado nas videiras”, afirmou à agência Lusa, explicando que a empresa a quem vende as uvas alega que não escoa o vinho em ‘stock’.
Diz que ficam por colher cerca de 40 toneladas de uvas, ou seja, perde à volta de 35 mil euros, e até hoje não encontrou uma solução, explicando que apenas pode fazer vinho em casa para autoconsumo.
“Recebi uma proposta para me comprarem a pipa de vinho (550 litros) a 175 euros”, referiu, considerando que esse valor não dá para pagar a quem vindima por 75 euros por dia.
Os operadores alegam quebras nas vendas, principalmente nos vinhos tintos, para comprarem menos uvas aos lavradores, uma dificuldade que se acentuou nesta vindima e, por isso, em algumas vinhas fica parte de um ano inteiro de trabalho.
Os lavradores têm batido a muitas portas, inclusive das adegas cooperativas, muitas das quais decidiram não receber novos associados para garantir o escoamento e o pagamento aos atuais sócios.
“No ano passado foi mais ou menos, este ano ninguém quer as uvas, 50% da minha colheita também está toda pendurada”, afirmou Desidério Guedes, produtor na Régua e Mesão Frio que destacou o quanto é doloroso deixar a colheita.
Este viticultor teme que para o ano a situação ainda possa piorar. “Faltam-nos duas coisas, uma cooperativa e um sindicato fortes que nos protejam, estamos aqui abandonados”, frisou, admitindo poder vir a deixar a atividade.
Desidério colheu parte das uvas no início de setembro e tem marcado para 07 de outubro o corte de mais sete toneladas, salientando que poderá deixar na vinha “cerca de 20 toneladas”.
Pela colheita entregue já recebeu parte do respetivo valor e é com ele que vai pagar o resto da vindima.
“É muita uva. As pessoas andam todas tristes, nota-se pela região. Fomos apanhados de surpresa e batemos a uma porta e a outra e ninguém quer, não temos solução à vista para isto”, lamentou, alertando que, pelas aldeias, as outras atividades económicas, como o comércio, também vão ser afetadas por esta crise.
Inocêncio Lúcio vive da vinha e é um homem revoltado. “Se não fosse o lavrador do Douro, não havia turismo”, salientou, destacando que foram os agricultores que ajudaram a construir a paisagem classificada Património Mundial e que parte dos atuais problemas decorre da importação de vinho espanhol.
Durante anos vendeu a colheita para uma adega cooperativa, mas ficou sem receber o dinheiro da colheita e, por isso, procurou uma empresa como alternativa.
Só que este ano também só vendeu as uvas beneficiadas e mais 20% que vai colher a 10 de outubro, ficando na vinha “umas 12 toneladas”.
“Vai ser tarde, mas é melhor para eles (empresas), a nós dói-nos a carteira”, referiu, explicando que, depois da chuva da semana passada, a uva pode apodrecer mais facilmente.
Marinete Alves foi uma das proponentes da petição “Salvem os viticultores do Douro”, que recolheu 2.100 assinaturas, faltando 400 para o objetivo de submeter o documento à discussão no parlamento, e admitiu que as perspetivas para o futuro “são negras”.
“Se continuarmos assim, daqui a 10 anos não temos o Douro e o turismo será para vir ver como o Douro era, porque as vinhas irão passar a monte”, frisou, admitindo já ter chorado muito por olhar para a vinha e ver o que ali vai deixar, ou seja, cerca de 10 toneladas de uvas por não ter quem as compre.
A produtora defendeu a criação de apoios diretos ao viticultor. “Um subsídio para a perda de rendimento do viticultor, mas direto”, exemplificou.
Entre as medidas anunciadas pelo ministério da Agricultura estão a destilação de crise e uma linha de crédito de 100 milhões de euros, com juros bonificados, dirigida a cooperativas e empresas do setor que se dedicam à transformação de uva para vinho.
No entanto, os viticultores dizem que os apoios não “chegam aos pequenos”.
“Há cerca de cinco anos que há destilação de crise a nível nacional e a região do Douro também é contemplada e, pelo contrário, ano a ano, os nossos problemas são agravados. O viticultor está com mais dificuldade de escoamento do produto”, afirmou Marinete Alves.
Relativamente à linha de crédito, o ministro da Agricultura afirmou que “as cooperativas e as empresas só receberão através desta linha o montante equivalente aos pagamentos que fizerem aos produtores de uvas” e que “a campanha de 2023 também é elegível o que permite a regularização de pagamentos em atraso aos produtores”.