1-No recente discurso sobre o estado da União, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyan, homenageou os agricultores europeus pelo facto de “dia após dia nos abastecerem de alimentos” e pelo papel fundamental que desempenham na garantia da nossa “independência alimentar”, lembrando o contexto em que o fazem nos dias de hoje, face às “consequências da agressão russa contra a Ucrânia, as alterações climáticas que provocam secas, incêndios florestais e inundações, bem como as novas obrigações” a que estão sujeitos, que “se repercutem cada vez mais no seu trabalho e na sua base de rendimento”.
E bem se compreende o discurso de Ursula von der Leyan, pois o desenvolvimento do sector agrário, a soberania e segurança alimentar, sempre foram prioridades na construção do projecto europeu.
Não é por acaso que a política agrícola é a única política verdadeiramente comum da União Europeia, gerida e financiada com base nos recursos do seu orçamento e que solicita aos agricultores dos seus Estados-membros que produzam alimentos de qualidade, alimentos saudáveis, a preços acessíveis e em respeito pelas boas regras do meio ambiente.
Por outro lado, os agricultores europeus nunca deixaram de responder positivamente à sua missão, bem como aos novos desafios com que têm sido confrontados.
Com efeito, quer durante a pandemia, quer nestes tempos de forte pressão inflacionista, em que os custos de produção subiram drasticamente, nunca faltaram produtos alimentares seguros nas prateleiras dos supermercados europeus.
E pretendendo a União Europeia atingir a neutralidade carbónica no seu território em 2050, os agricultores, ao contrário do que alguns dizem, têm sido atores diligentes na implementação do Pacto Ecológico Europeu.
Sendo que o “Green Deal” deve ser implementado com os agricultores e não contra os agricultores.
Daí que a presidente da Comissão Europeia tenha reclamado a necessidade de “mais diálogo”, tendo referido mesmo: “juntamente com os homens e mulheres que se dedicam à agricultura, temos de ser capazes de superar novos desafios”. Tendo ainda prometido dar “inicio a um diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na União Europeia”.
2-Em contraste com a União Europeia e a maior parte dos seus Estados-membros, o Governo português não parece ver na agricultura uma verdadeira prioridade. A construção da nossa segurança e soberania alimentar não são uma aposta de António Costa.
E se duvidas houvesse, basta olhar para as verbas que lhe destinou no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência. Dos cerca de 22 mil milhões de euros do PRR, quase nada para o setor agrário.
Sendo que em nossa opinião, a aposta na produção agrícola, no reforço da nossa capacidade de aprovisionamento, é não só uma opção estratégica, como uma missão obrigatória.
Não esqueçamos os importantes ensinamentos que nos ofereceram a pandemia e a guerra na Ucrânia, com a crise nas cadeias de abastecimento…
Segundo o INE, o défice da balança comercial de produtos agrícolas e agroalimentares registou em Portugal, no último ano, um agravamento na ordem dos 1300 milhões de euros face ao ano anterior, fixando-se em 2022 num valor superior a 5000 milhões de euros.
Em 2019, Portugal produziu apenas um terço do milho que consumiu e importou cerca de 90% do trigo de que necessitou.
É verdade que o Governo de António Costa apresentou em 2018 a denominada “Estratégia Nacional para a Promoção de Cereais”, com o objetivo de reduzir a dependência externa e consolidar e aumentar as áreas de produção. Com esta estratégia o Governo pretendia atingir, num horizonte de 5 anos, um grau de aprovisionamento em cereais de cerca de 40%.
Sucede que estamos em 2023, e pouco ou nada aconteceu.
Temos o tecido empresarial agrícola mais envelhecido da União Europeia. Não chegam a 4% os agricultores com menos de 40 anos de idade.
3-Não é admissível que o prazo para apresentação de candidaturas ao “Pedido Único” no âmbito do PEPAC (Plano Estratégico da PAC 2023-2027), que deveria ter terminado em 31 de maio passado, tenha sido sucessivamente prorrogado até 31 de julho, por causas imputáveis à própria Administração, concretamente por razões relacionadas com o “excesso de burocracia e procedimentos altamente complexos, de difícil aplicação”, como denunciaram diversas organizações do setor, e em consequência, tenha provocado o adiamento dos devidos pagamentos aos agricultores beneficiários, situação que lhes está a provocar graves prejuízos…Até porque, de boa fé, acreditaram na palavra da Senhora Ministra da Agricultura, que sempre garantiu que os problemas relacionados com a apresentação das ditas candidaturas, não colocaria em causa o pagamento atempado das ajudas diretas do PEPAC…
Esta situação é, aliás, absolutamente inaceitável, pois o Estado e os seus representantes têm sobre si um dever maior enquanto atores geradores de credibilidade e confiança junto dos cidadãos.
É certo que os agricultores são pacientes, e que o dinheiro, que é proveniente apenas de fundos da União Europeia, mesmo com atraso, há-de chegar. O problema para muitos, é que os bancos podem não ter a mesma paciência!
Valha-nos a resiliência dos agricultores portugueses, que apesar dos danos sofridos pelas alterações climáticas, do terrível aumento dos fatores de produção, e de não terem na Senhora Ministra da Agricultura um parceiro com o peso político, com a confiança e competência que mereciam, continuam com a sua missão…
E já agora, valha-nos também a União Europeia.
Paulo Ramalho
Deputado do PSD à Assembleia da República
Artigo publicado com autorização do autor e da Vida Económica.