Uma vertical de Quinta Mimosa (Casa Ermelinda Freitas) revelou que é um desperdício beber Castelões novos das areias da Península de Setúbal. Devíamos mudar de hábitos.
Ninguém estranhará hoje o rótulo do tinto Quinta da Mimosa, mas, há 24 anos, quando lançou o primeiro vinho desta referência premium da casta Castelão — colheita de 1998 — o slogan menos antipático que Leonor Freitas ouviu foi que a Casa Ermelinda Freitas tinha criado “o vinho da Pipi das Meias Altas”. Em 1999, lançar um vinho com um rótulo redondo, roxo e com uma cápsula em dois tons de roxo (as supostas meias da Pipi) foi algo que deixou gente do comércio com os cabelos em pé.
“As pessoas ligavam-me a dizer: ‘Ó Leonor, por amor de Deus, mas o que é isto? Onde é que já se viu um rótulo assim? Não vai funcionar, façam lá alguma coisa’. Fiquei com dúvidas e comecei a pensar em soluções alternativas para as colheitas seguintes, mas, quando comuniquei que ia fazer alterações, os que tinham criticado começaram a dizer que não, nem pensar, que, afinal, os clientes andavam a repetir as compras, que o vinho era muito bom e que o rótulo até tinha a sua graça”, refere ao Terroir Leonor Freitas, a criadora do projecto Ermelinda Freitas, em homenagem à sua mãe.
De maneira que, tirando um ligeiro esbatimento cromático das cores da cápsula das meias da Pipi, não se fizeram grandes alterações à imagem da garrafa. Hoje, a marca que se faz todos os anos desde 1998 – caso raro numa referência premium – vende 40 mil garrafas por colheita, a preços entre os 10 e os 13 euros.
O Castelão é uma das grandes castas tintas portuguesas. Crescendo nos terrenos de areia da região de Península de Setúbal, dá origem a alguns dos melhores tintos portugueses, desde que os consumidores tenham o bom gosto de deixar o vinho ganhar algum mistério em garrafa (dois ou três anos depois da data de colheita será o ideal).
Aqui no PÚBLICO já temos o teclado gasto de escrever a história, mas cá vai na mesma: nós, portugueses, em matéria de consumo de vinhos, somos de luas (duas): primeira lua, abrimos garrafas acabadas de lançar como se o mundo acabasse no dia seguinte; segunda lua, guardamos durante tanto tempo alguns vinhos em casa (sempre à espera daquele evento especial) que quando finalmente abrimos a garrafa o que está lá dentro é vinagre e não vinho. Nem sabemos qual das luas é a pior.
O desafio lançando pelo Terroir a Leonor Freitas e a Jaime Quendera (o enólogo da casa) teve como finalidade perceber como evoluía o primeiro tinto de Castelão da Península de Setúbal estagiado em barricas novas de carvalho, ideia esta que, no final dos anos de 1990, levou António Francisco Avillez (o genial criador de marcas que ainda hoje são referências nacionais) a desabafar com Leonor Freitas nos seguintes termos: “Como é que eu não me lembrei de semelhante coisa?”. Há 24 anos, barricas novas só se usavam para castas com pedigree, sendo que o Castelão não fazia parte da lista.
Convém percebermos que quem gere uma casa que produz 25 milhões de litros de vinho por ano não costuma ter tempo para provas verticais (o negócio tem as suas exigências), […]