Coordenadora do estudo “Territórios de bem-estar: assimetrias nos municípios portugueses” diz que “não temos conseguido promover a coesão territorial” e que urge olhar o país a partir de dentro.
Rosário Mauritti, coordenadora do estudo “Territórios de bem-estar: assimetrias nos municípios portugueses”, faz um retrato de um Portugal com desigualdades acentuadas, a precisar de coesão territorial sob pena de não haver sustentabilidade no futuro. A professora do ISCTE alerta, por isso, para os riscos de grande parte do território estar ao abandono, como o despovoamento, envelhecimento estrutural, e esvaziamento da atividade económica e social. E avisa: “É extremamente importante chamar a atenção para estas assimetrias, porque ao não reconhecer que existem, elas vão permanecer”.
Rosário Mauritti aponta como solução a implementação de políticas para os territórios tendo as pessoas como foco principal. Urge, por isso, “olhar o país a partir de dentro e tendo em conta as pessoas”. Assim como “criar infraestruturas de proximidade que permitam promover a ligação entre aquilo que são as políticas do Estado Central e as políticas das regiões”. Por fim, a coordenadora do estudo, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, conclui que “Portugal não precisa de emigrantes, mas sim de imigração” e de dar condições de vida condignas a quem quer viver no país para combater os níveis de bem-estar muito assimétricos.
Qual é a razão de ser deste estudo?
Há uma preocupação crescente em perceber como é que as pessoas fazem as avaliações relativamente à sua qualidade de vida e bem-estar. Nos últimos anos têm vindo sucessivamente a lume estudos sobre felicidade, qualidade de vida, saúde e bem-estar. Muitas vezes, estes estudos são feitos por instâncias internacionais e remetem sobretudo para médias nacionais, estando muito longe daquilo que é a nossa realidade em termos de contexto e relações sociais.
Então qual seria o ponto de partida ideal?
A partir da informação estatística existente, nomeadamente do Instituto Nacional de Estatística (INE), era importante encontrar ferramentas que permitissem olhar para dentro dos territórios tendo em conta as pessoas, a realidade e os seus contextos. E é importante que esse olhar, focado nas pessoas, possa fazer ligação direta, quer com o que se passa a nível nacional, quer depois também com os outros países europeus. Cremos que, por vezes, as políticas falham, porque não conseguem associar-se a esta questão que tem a ver com a nossa experiência e a forma como nos relacionamos connosco, com os nossos contextos de proximidade e com a sociedade mais ampla.
Qual foi o primeiro passo neste estudo?
A primeira coisa foi tentar construir um modelo que permitisse interpretar a forma como cada um de nós constrói as apreciações que faz sobre o bem-estar e a vida. Partimos das dimensões associadas ao bem-estar, como contactos sociais, equilíbrio entre trabalho e a família, assim como a saúde, habitação, segurança, sociedade digital, participação cívica, educação e cultura, trabalho digno e qualidade ambiental. Todos esses aspetos são muito importantes na forma como conseguimos aplicar recursos e tomar decisões, e depois são impactantes na forma como avaliamos o nosso bem-estar.
E o trabalho tem um papel fulcral…
No fundo, o trabalho acaba por ser um centro muito importante na nossa vida e quando ele falha, nalguns dos elementos que destaquei, pode ter bastante impacto também na apreciação que fazemos sobre o bem-estar.
Concluiu que “o bem-estar não significa o mesmo para todas as pessoas nem para todos os lugares”.
Sim. Por exemplo, para uma pessoa que tem um perfil de qualificações elevado e tem porventura interesses lúdicos e culturais mais apurados, e tem uma família, a forma como aprecia o seu bem-estar depende muito da possibilidade que tem de ver concretizadas todos os projetos e expectativas.
No estudo sugere que o Governo implemente políticas tendo em conta as pessoas e os seus contextos.
Temos de pensar políticas para os territórios. Não basta construir políticas projetadas para a construção de relatórios, pensados para nos apresentarmos perante os nossos pares europeus, onde Portugal atingiu por exemplo a meta de 40% de diplomados, num determinado forte geracional, ou tem X por cento de indústria de ponta. Mais do que isso, é importante pensar como é que esses indicadores — que apresentamos de forma agregada para Portugal como um todo — acabam por se replicar por todo o país.
Até que ponto é que os jovens, os adultos e as pessoas mais velhas encontram, nas regiões mais periféricas, as mesmas oportunidades de realização pessoal, de participação que lhes confere um sentido de bem-estar e qualidade de vida. Para ser possível, é preciso perceber os grandes desafios que se colocam em cada momento. No modelo, que fizemos, caracterizámos os 278 municípios em Portugal continental em função daquelas características básicas.
Este estudo é um instrumento muito interessante para a construção da coesão territorial, mas tendo em conta as pessoas.
Qual é o objetivo principal do estudo?
O nosso objetivo principal era testar um modelo que depois pudesse ser replicado não apenas em Portugal, mas também noutros países.
Em que consiste esse modelo?
O modelo […]