No rescaldo de um ‘impróprio para cardíacos’ jogo da seleção nacional de futebol, não vou falar de desporto, tema sobre o qual nada sei, mas sim fazer a analogia entre duas figuras que representam o melhor nas suas áreas. Quando alguém me diz que se sente privilegiado por ser da geração que viu Cristiano Ronaldo jogar, eu costumo responder que eu sou da geração que viu João Coimbra agricultar.
Se por distração não conhecem João Coimbra, e se interessam por agricultura, daquela que se faz modernamente, de forma profissional e capacitada, então não percam tempo para conhecer. É uma referência incontornável no setor, um dos maiores produtores de milho nacionais, trata a tecnologia e a precisão por tu e já sabe mais de ecologia que muitos ecologistas da praça. Acresce que é agricultor por paixão, mas não lhe passa pela cabeça empobrecer alegremente.
João Coimbra é um homem singular na capacidade que sempre teve, e acompanho o seu trabalho há cerca de duas décadas, para ver longe. Deve ser o que se chama modernamente ter visão, embora no seu caso conjugue habilmente vários sentidos que lhe permitem percecionar com exatidão os caminhos a seguir. Sabe ver, mas sabe sobretudo ouvir, mesmo as ideias diferentes das suas, e transformar tudo isso em conhecimento que testa à exaustão. Persegue o erro porque sabe que é uma possibilidade de melhoria, logo de maior rendimento.
João Coimbra faz parte de um núcleo de agricultores muito sofisticados, virados para o mercado e para a competitividade. Mas é um caso exemplar na forma como soube acomodar a ecologia e a sustentabilidade numa exploração que pratica uma agricultura ‘convencional’ (no sentido que utiliza os inputs necessários ao bom desenvolvimento das plantas). Obviamente que ao longo dos anos o convencional passou a ser um adjetivo muito pouco qualificativo do que acontece na Quinta da Cholda, que se transformou numa propriedade modelo, a prova viva que é possível conjugar alta densidade com regeneração.
Escrevo este texto no dia em que tomei conhecimento da última das suas incitativas: um canal no Youtube a que chama ‘Agricultura Feliz’ (imagine-se a audácia, um agricultor feliz!). E o que é a Agricultura Feliz? É aquela onde todos os agentes do setor agrícola ganham: agricultores, acionistas, colaboradores, fauna e flora. Onde se promove biodiversidade e resgate de carbono. Onde as ferramentas digitais são o guia para saber mais e de forma aprofundada, possibilitando intervir menos e de forma qualitativa.
Fiquei no episódio 3, mas aguardo com entusiasmo os próximos. João Coimbra diz que este é o caminho do progresso, e não tenhamos dúvidas que não é possível progredir sem este pensamento que incorpora múltiplas valências e áreas de conhecimento. A podologia, a entomologia, a ornitologia, a botânica e muitas outras ciências vieram para ficar. A biologia passou a fazer parte da equação, e a matemática continua a contar, e muito. Ter capacidade de aprender sem preconceitos é uma qualidade inestimável, mudar os pressupostos de todo um sistema tradicional é corajoso, estar disposto a partilhar toda a experiência e conhecimento adquiridos é generoso. Obrigada por isso!
Sou, com muito entusiasmo e alegria, da geração que vê João Coimbra agricultar. E agricultar com orgulho, como no hastag que gosto de usar. E com tanta sorte, vejam lá, ainda vejo Cristiano Ronaldo jogar. Privilégios…
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.