Portugal possui uma comissão para a seca que se reuniu 13 vezes em seis anos. Em plena crise climática, especialistas defendem medidas estruturais (e não reactivas) de combate à escassez da água.
Portugal possui uma Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca que organizou 13 reuniões em seis anos. Face à seca extrema que o Sul do país atravessa, este grupo de decisores políticos reuniu-se há duas semanas e reagiu anunciando medidas como a proibição de novas estufas no Alentejo. Em tempos de crise climática, os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO frisam que está na hora de medidas “estruturais” – e não “reactivas” – de combate à escassez da água.
“Comissões destas são criadas para resolver emergências. Quando as emergências passam a ser um novo normal, temos de fazer outra coisa, deve haver uma adaptação. Não podemos tratar emergências anuais como se fossem emergências que acontecem a cada década. A única certeza que temos é a de que vamos ter secas mais frequentes. Como tal, temos de ter planos de contingência para abastecimento público, temos de adoptar medidas estruturantes como a mudança de legislação e do preço da água”, defende Joaquim Poças Martins, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e especialista em gestão hídrica.
Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, também defende “mudanças estruturais” que permitam ao país gerir estrategicamente a água. “Não devíamos ter comissões, devíamos ter um plano eficiente para uso da água. Caso contrário, temos estas comissões ad aeternum”, diz o professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
O presidente da Zero recorda que, no século XXI, em plena crise climática, Portugal “não tem uma estratégia para a água”. “Tínhamos um plano [o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA)] que deveria estar em vigor entre 2012 e 2020, mas que foi abandonado a partir de 2015. Desde então, estamos um pouco a funcionar em função das necessidades, sem estratégia”, lamenta Francisco Ferreira numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 80/2017, que prevê a criação da comissão, estipula que uma das funções do grupo de trabalho é precisamente a promoção da “implementação das medidas preconizadas pelo Programa para o Uso Eficiente da Água [PNUEA] que podem ser executadas de imediato e preparar as medidas a adoptar a médio e longo prazo, numa perspectiva de preparação para uma maior resiliência a eventos de seca”.
Contudo, como pode uma comissão zelar pela implantação de medidas de um documento que nem sequer está actualizado? O PNUEA disponível hoje estipula limites para o desperdício de água para cada sector especificamente para o período 2012-2020. Além de desactualizado, o programa criado em 2005 não pôde ainda ser avaliado quanto à sua eficácia. Os resultados oficiais deste programa de combate ao desperdício de água nunca chegaram a ser tornados públicos, continuando inexplicavelmente na gaveta, segundo o jornal Eco.
“É chegado o momento de aplicar, sem hesitações, as medidas previstas no PNUEA, cuja actualização, do seu Plano de Implementação 2012-2020, nunca foi colocada em prática”, recordava Rui Godinho, presidente do conselho directivo da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, num artigo de opinião publicado em 2022.
Medidas reactivas ou estruturais?
A comissão da seca existe desde o dia 7 de Junho de 2017, um ano que foi marcado por uma seca “gravíssima”. Ficou óbvio então que eventos climáticos extremos seriam cada vez mais intensos e frequentes devido à mudança do clima e que, por isso, seria necessária a existência de uma comissão de carácter “permanente” que não tivesse uma função meramente “reactiva”. Esta comissão é constituída por membros do Governo responsáveis por diferentes áreas, incluindo o ambiente, a agricultura, as florestas e o desenvolvimento rural, além de várias outras entidades, consoante a gravidade da situação.
“A incerteza e imprevisibilidade da seca e dos seus impactos justificam que se […]