Convido o leitor a passar o dia em uma das várias associações de auxílio aos migrantes e pedir aos que ali chegam todos os dias que narrem como são tratados pelo mercado de trabalho. Os abusos são constantes e invariavelmente contam histórias de maus-tratos, exploração e sofrimento.
No dia 2 de maio de 2021, o PÚBLICO noticiou em exclusividade que a Polícia Judiciária portuguesa investigava uma série de casos de tráfico de pessoas e exploração laboral na região de Odemira, ligados a pequenas redes criminosas e a grandes propriedades rurais. Dois anos antes, o autarca José Alberto Guerreiro já denunciara a suspeita dessas práticas, contudo, foi apenas com o advento da pandemia de covid-19 e o aumento exponencial e atípico do número de casos no conselho e arredores que a questão tomou vulto e suscitou o interesse maior seja da Polícia Judiciária, seja do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Segundo Guerreiro, ouvido pela agência Lusa, pelo menos metade dos treze mil trabalhadores da agricultura local não viviam em moradias adequadas.
No dia 11 de julho de 2021, o Terreiro do Paço, em Lisboa, foi palco de uma manifestação que juntou cerca de cem pessoas a cobrar maior agilidade e justiça por parte do Ministério da Administração Interna na resolução das centenas, senão milhares, de manifestações de interesse que se juntam no poço sem fundo do sistema informático do SEF e as quais parece que jamais verão a luz.
A Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que dispõe sobre a Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional, determina que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias. No entanto, há imigrantes que contribuem para a segurança social, mas estão há um, dois, três anos sem documentos e com suas vidas suspensas, sem direito a sair do país para ver ou se despedir de parentes e amigos, sem poder reagrupar familiares, sem negociar contratos de arrendamento justos e equilibrados, sem acesso a financiamentos, a número de utente e ainda sem terem recebido em seus braços a tão cobiçada vacina contra o covid-19. Para piorar a situação, como o predador ataca sempre a presa mais frágil, são prato […]
Mónica de Sousa Braga é advogada inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses e membro da associação Diáspora Sem Fronteiras. Faz doutoramento em Migrações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa