No ano em que a água destinada ao regadio sofreu um corte drástico, aumentaram as inscrições para rega e o consumo humano é assegurado com água de péssima qualidade.
Tanto as framboesas como os mirtilos são culturas que “gostam de conforto hídrico, pelo que não devemos deixar que a água lhes falte”, aconselha a descrição técnica que acompanha o processo de produção destes frutos vermelhos. Mas no Perímetro de Rega do Mira, dependente da barragem de Santa Clara, que está a pouco mais que um terço da sua capacidade, esta orientação é completamente inalcançável. Foi exigido à associação de regantes uma gestão criteriosa do recurso mas, por considerar que as suas directivas não estavam a ser seguidas, o Governo destituiu a direcção da instituição. Enquanto isso, os agricultores temem já os efeitos da seca que se adivinha.
A verdade é que as culturas existentes neste perímetro de rega são exigentes: os frutos vermelhos, por exemplo, necessitam de um volume de água que oscila entre os 4000 e os 6000 metros cúbicos (m3) por hectare/ano. Para a campanha de rega em curso, a Associação de Beneficiários do Mira (ABM) disse ao PÚBLICO que disponibiliza aos agricultores um volume de água que não pode ultrapassar os 1800 metros cúbicos/hectare.
A decisão é consequência directa do baixo nível de armazenamento na barragem de Santa Clara. Apresenta cerca de 175 milhões de m3, que equivale a 36% da sua capacidade máxima. Entre Outubro de 2022 e Abril de 2023, o nível de afluências à albufeira, que suporta as necessidades de água nos 12 mil hectares do Perímetro de Rega do Mira (PRM) e o consumo humano no concelho de Odemira, “rondou” os 10 milhões de m3, o que é manifestamente pouco para compensar os consumos da campanha de rega de 2022, que ascenderam aos 32 milhões de m3. Para a campanha de rega de 2023, a Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR) propôs à ABM que impossibilitasse “o fornecimento de um volume de água superior ao do ano anterior” ao sector agrícola, medida que deveria ser acompanhada de “um tarifário desencorajador para a utilização de água.”
A direcção da associação terá resistido a implementar esta orientação, o que levou à sua destituição pelo Ministério da Agricultura. Depois disso, a proposta da DGADR acaba por ser levada a assembleia-geral da ABM, no dia 11 de Abril de 2023, onde é aprovado um orçamento rectificativo que prevê a aplicação de três escalões no fornecimento da água para rega. O primeiro até aos 1000m3, o segundo entre 1001 e os 1500m3 e o terceiro escalão com um volume de consumo entre os 1501 e os 1800m3. Os dois primeiros escalões mantêm o preço igual aos da campanha de 2022, mas, para o terceiro escalão, o preço a pagar terá um valor superior a 0,40 euros/m3.
Este escalonamento no acesso à água é ainda reforçado com uma outra restrição imposta pela DGADR: “O planeamento (da campanha de rega em curso) deverá apenas considerar as inscrições para os beneficiários que regaram efectivamente na campanha de 2022, excepto caso haja investimentos já comprometidos.” Este organismo apela à ABM para que proceda a uma campanha de divulgação de “forma activa sobre a impossibilidade de regar novas áreas.”
Além disso, as culturas consideradas permanentes têm prioridade no acesso à água em relação às culturas anuais, mas persistia uma indefinição entre […]