Nos últimos dias guardámos a erva do campo chamado “Bouça Aberta”, sob a forma de rolos plastificados com “fenosilagem”. Depois de termos cortado a erva e mexido algumas vezes para reduzir a humidade, uma tarde bastou para enrolar, plastificar e arrumar 23.000 metros quadrados de erva (2,3 hectares). Enquanto transportava os rolos dentro de um trator com ar condicionado (ao fim da tarde passei a a tarefa ao Hugo, na foto), fui recordando o que passávamos quando o meu pai comprou este campo há 42 anos. Depois de 3 km em boa estrada, havia 500 metros de um “caminho de cabras” que nos partia as costas, os tratores e os taipais dos reboques. Para levar a enfardadeira tínhamos de passar por outro caminho mais largo mas também cheio de buracos, pedras e silvas. As centenas de fardos pequenos feitos com um trator sem cabine e ar condicionado eram carregados à mão para reboques com a ajuda de família e trabalhadores eventuais. Apesar de amarrar sempre com cordas, era uma aventura chegar a casa sem caírem alguns fardos por causa dos ramos das árvores e buracos no caminho. A única coisa de que tenho saudade era a merenda com pão de ló torrado que tinha sobrado da Páscoa.
Há cerca de 25 anos passámos a guardar a erva sob a forma de silagem, com autocarregante. Experimentei fazer feno com fardos grandes mas é difícil nesta altura e os rolos plastificados foram a opção dos últimos anos. Não fazemos aqui silagem com automotriz porque fica longe e sendo estreito o caminho de acesso teria de passar pelos campos vizinhos que ainda têm erva. Entretanto, há cerca de 20 anos o velho caminho de cabras foi calcetado com verbas da CEE e os tratores que fomos comprando também são mais seguros, confortáveis e potentes. Fazemos mais trabalho com menos esforço.
Nem tudo são rosas. Antigamente tinham pena de nós por causa do trabalho duro ou admiração pela coragem de nos metermos na agricultura, depois passámos a ser alvo da raiva de alguns por causa de adubos, pesticidas e antibióticos. O facto é que somos menos agricultores e funcionários mas somos capazes de produzir mais, com melhor qualidade e mais segurança alimentar.
A propósito disto, queria deixar uma palavra de esperança a quem tem receio que venha a fome por causa da guerra. Estamos melhor preparados do que no passado. Temos máquinas, conhecimento e gente a trabalhar “do prado ao prato”, entre produção, transformação, embalamento e distribuição, para que a comida chegue ao consumidor. Pode faltar alguma coisa como óleo de girassol, mas há alternativas. Vai ficar tudo mais caro, porque também os adubos, a eletricidade, o gasóleo ou o plástico nos ficam mais caros. Poderá sobrar menos para outros confortos que foi possível pagar à medida que a comida ficou mais barata para todos. Poderá ficar curto o salário para quem já recebia pouco, mas o Estado tem de ajudar esses casos que vão aumentar. Antigamente era bom porque éramos mais novos, mas agora temos mais experiência. Pensamento positivo!
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.