A construção de mais uma barragem a montante da Aguieira, necessária para guardar água do rio Mondego no inverno para poder ser utilizada no verão, é reivindicada pelos agricultores daquela zona e “necessária” face à seca.
Em declarações à agência Lusa, Armindo Valente, vice-presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, lembrou que a construção de “pelo menos uma” barragem a montante da barragem da Aguieira é uma reivindicação antiga dos agricultores, mas ganhou nova importância face à situação de seca que o país atravessou este ano e que se pode vir a repetir.
“Eu queria alertar aqui as pessoas que têm de decidir e, neste caso, o senhor ministro do Ambiente, para que tivessem atenção que o Mondego tem tido cheias nestes últimos anos e que era preciso segurar essa água quando a temos disponível, que é no inverno. Para depois, quando precisamos dela, a termos para fazer a rega”, afirmou o dirigente associativo e empresário agrícola.
“E começa a ser muito difícil fazer a gestão da Aguieira só com aquela barragem”, adiantou.
Embora observando que, este ano, a seca não afetou o Baixo Mondego, Armindo Valente antecipou que, no futuro, a agricultura, mas também as indústrias papeleiras, podem vir a ter problemas na sequência da falta de água.
O abastecimento à agricultura e às celuloses é feita a partir do canal de rega que parte do açude-ponte de Coimbra e corre ao longo da margem direita do rio, servindo para a rega dos campos agrícolas. Depois, tem uma derivação por debaixo do leito do Mondego para a margem esquerda, até chegar às indústrias localizadas no sul do concelho da Figueira da Foz.
Por outro lado, a própria obra do regadio do Mondego, que tem quase 50 anos e ainda não está completa, previa, no estudo que a sustentou, mais quatro barragens a montante da Aguieira, mas nenhuma foi edificada.
“Neste momento, temos única e simplesmente a Aguieira a armazenar água. Ainda vamos tendo precipitação para encher as barragens, mas os agricultores começam a ter receio de que, com a falta de chuva, possa vir um ano que ponha em causa a produção agrícola no Baixo Mondego. Se noutras zonas é bastante difícil, um ano sem cultivar no Mondego seria uma catástrofe. Porque a maior parte dos agricultores [no total são cerca de quatro mil agregados familiares numa área com 13 mil hectares] vive exclusivamente dos cereais, do arroz e do milho. E todo o desenvolvimento em redor assenta na produção agrícola do Baixo Mondego”, explicou Armindo Valente.
“É fundamental armazenar água quando está disponível, que é no inverno, para depois a poder utilizar no verão”, reafirmou.
O também presidente da cooperativa agrícola de Montemor-o-Velho lembrou, sobre a eventual construção de novas barragens, que já existem estudos, nomeadamente relacionados com uma infraestrutura dessa natureza em Girabolhos, no concelho de Seia, distrito da Guarda.
“O anterior ministro do Ambiente [Matos Fernandes] achou por bem suspender a barragem e a agricultura nunca percebeu porque é que isso aconteceu. Mas, de facto, é preciso olhar para a agricultura, e agora com esta guerra [na Ucrânia] é fundamental termos, pelo menos, a alimentação humana assegurada. E, hoje, posso dar quase como garantia que a maior parte do arroz e do milho que se produz no Baixo Mondego é para alimentação humana”, vincou Armindo Valente.
Já sobre a obra de fomento hidroagrícola, nomeadamente o abastecimento ao Vale do Pranto (afluente da margem esquerda do Mondego, que corre de sul para norte na fronteira entre os concelhos de Soure e da Figueira da Foz), a associação de beneficiários promoveu um concurso de 20 milhões de euros (que está aberto a propostas até ao início de dezembro), para a construção de um novo adutor com 10 quilómetros de extensão.
A intervenção, que Armindo Valente admitiu ser “histórica”, irá permitir a rega através do adutor – que receberá água do canal da margem esquerda – ao contrário do que se passa atualmente em que o rio Mondego serve tanto para a rega como para a drenagem dos campos do vale do Pranto.
“Isto obriga a que quando se rega toda a gente tem de regar e quando se drenam os campos, toda a gente tem de drenar. As pessoas estão sempre dependentes umas das outras”, observou.
Notou, ainda a esse propósito, que o vale do Pranto – onde subsistem, na cultura do arroz, cerca de mil agregados familiares, a tempo inteiro ou ‘part-time’ – “está a cotas muito baixas, tem cotas negativas [face ao Mondego]”.
“Houve uma altura em que as pessoas, no Baixo Mondego, procuraram muito por terrenos, muitos estavam abandonados, hoje o vale do Pranto está praticamente todo cultivado, mas, se nada for feito, se esta obra não for executada, rapidamente os agricultores começam a abandonar aquela zona”, afirmou Armindo Valente.
Quanto ao emparcelamento do vale do Pranto, o dirigente associativo revelou que a associação de beneficiários tem em curso a execução de estudos e projetos com aquela finalidade, para se poder candidatar a financiamento para execução da obra.
“Os agricultores daquela zona estão com custos acrescidos em relação ao resto do vale [do Mondego] que já tem obra [de emparcelamento]. Os agricultores do Pranto e não só, os de toda a zona que está sem obra [também dos vales dos rios Arunca e Ega] têm sido prejudicados, porque os custos de produção são muito maiores do que na zona de obra”, enfatizou.