No passado dia 13 de Setembro, a Presidente da Comissão Europeia proferiu aquele que foi o último Discurso sobre o estado da UE desta legislatura do Parlamento Europeu. Estas alocuções costumam ser usadas para fazer o balanço do trabalho feito pelo executivo europeu e para apontar as principais medidas que constarão do respectivo Programa de Trabalho para o ano seguinte, a apresentar em Outubro.
Como seria de esperar, Ursula von der Leyen procurou demonstrar o muito que foi conseguido nos últimos quatro anos e há já quem garanta que terá sido o primeiro passo visando a sua recondução à frente do Colégio de Comissários. Sabemos que o equilíbrio entre as forças políticas europeias, resultante das próximas eleições para o Parlamento Europeu, é que ditará quem serão os principais candidatos ao exercício das funções electivas de maior relevo e responsabilidade – as Presidências do Conselho Europeu, Comissão e Parlamento, porque a do Conselho da UE é rotativa – redundando numa dança de cadeiras, nem sempre óbvia, mas que, certamente, trará consigo alguns novos protagonistas (veremos se algum será português).
Neste exercício de apresentação de contas, por entre as múltiplas realizações de que von der Leyen pôde regozijar-se, surgiu uma nota dissonante dedicada aos agricultores, convenientemente dita em alemão (os agricultores do país da Presidente não andam propriamente exultantes com o trabalho da Comissão): a constatação de que «Nem sempre é fácil [a actividade], uma vez que as consequências da agressão russa contra a Ucrânia, as alterações climáticas que provocam secas, incêndios florestais e inundações, bem como as novas obrigações dos agricultores, se repercutem cada vez mais no seu trabalho e na sua base de rendimento. Temos de ter isso em consideração.»
Ao mesmo tempo que lhes prestou homenagem e lhes agradeceu pelo fornecimento quotidiano de alimentos aos europeus, von der Leyen anunciou a intenção de dar início a um «diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na UE», demonstrando estar «plenamente convencida de que é possível conciliar a agricultura e a protecção da natureza.» O mínimo que se pode dizer é que este propósito peca por tardio, assim como a conclusão de que «Precisamos de mais diálogo e de menos polarização.»
Desde que foi apresentado o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), é justo perguntar a quem se ficou, sobretudo, a dever a referida polarização, se terão sido os agricultores que não terão querido dialogar e se estes propósitos construtivos, quase ao cair do pano, não soam a mea culpa…
Já a 22 de Maio, o então Vice-Presidente Executivo da Comissão Frans Timmermans, que entretanto se demitiu para poder disputar o governo neerlandês, apelava aos deputados da Comissão Parlamentar da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (AGRI) para que «Tentemos evitar que isto se transforme numa batalha de “quem tem razão e quem está errado” e de quais as soluções que funcionam e quais as que não funcionam.» Este apelo à abertura contrastou com a atitude quase messiânica assumida pelo próprio durante a maior parte do seu mandato e com a aparente irredutibilidade às opiniões menos favoráveis com que a Comissão foi acompanhando a apresentação das suas propostas que incidiam sobre a fileira agroalimentar.
Recorde-se a do regulamento relativo à restauração da natureza, que foi chumbada pelas comissões parlamentares AGRI e das Pescas antes de seguir para plenário, e aí passar por muito pouco, e a proposta de regulamento sobre a utilização sustentável dos produtos fitofarmacêuticos que motivou a exigência à Comissão de mais esclarecimentos por parte dos Ministros da Agricultura dos Estados-Membros, nomeadamente, devido à falta de elementos relativos ao impacto da sua redução e à disponibilidade ainda limitada de alternativas não-químicas, ao impacto nos preços dos alimentos e na segurança alimentar, bem como ao potencial aumento dos encargos administrativos para as pequenas explorações agrícolas. Na hora da despedida, os deputados da AGRI recordaram a Timmermans a surdez que revelara aos apelos dos agricultores europeus para que fossem tomadas medidas atempadas e mais realistas em relação à transição ecológica.
Por seu turno, o Comissário Wojciechowski demonstrou não possuir peso político para fazer face ao ritmo e ao rumo imprimido pela Comissão nem especial capacidade para interpretar e transmitir a perspectiva da fileira agroalimentar no seu seio – onde é que já vimos isto? – e revelou-se pouco capaz de merecer especial apreço por parte quer dos deputados ao Parlamento Europeu com assento na AGRI quer dos dirigentes das estruturas representativas dos agricultores europeus.
No princípio de Outubro de 2021, recordei, no texto “Tristezas não pagam dívidas… e carinho também não”, a visita à Agroglobal do Primeiro-Ministro português e o reconhecimento público que este ali fizera da «dívida de gratidão» do país para com os seus agricultores e a «palavra de estímulo e de carinho» que então julgou que lhes era devida. Na altura, sublinhei que «Os agricultores não suspiram por ternura governamental, antes esperam – cada vez mais e cada vez com mais razão – que o governo os respeite e que, no seu seio, haja conhecimento sério e a sério sobre a sua actividade e que estes se traduzam em estímulos, talvez menos afectuosos, mas significativamente mais palpáveis que a tal palavra.»
Von der Leyen parece ter adoptado um estilo semelhante num mesmo contexto pré-eleitoral. Só nos resta esperar que os resultados desta vontade proclamada de ter em consideração as dificuldades dos agricultores, de dialogar estrategicamente e de evitar a polarização sejam melhores que a nossa versão caseira e não terminem no dia a seguir às eleições para o Parlamento Europeu ou à tomada de posse da futura Comissão. Como é frequentemente dito e repetido, são precisos dois para dançar o tango e, para dialogar a sério, é preciso que quem fala também saiba ouvir.
Consultor da Abreu Advogados
Tristezas não pagam dívidas… e carinho também não – João Vacas