Com as projeções meteorológicas a alertarem para “elevado risco de incêndio” este verão, o Governo confia que Portugal “está mais bem preparado”. A confiança é revelada pelos ministros do Ambiente e da Administração Interna, com base nos números e nas apostas feitas na prevenção e no combate nos dois últimos anos. Mas “o país continua muito vulnerável”
Até 8 de junho de 2020 verificaram-se cerca de um quarto das ignições registadas em média no mesmo período da década anterior e ardeu menos 89% da área. E olhando para os números de 2018 e 2019 também se constata que as ignições caíram 47% face ao período 2008-2017 e a área ardida diminuiu 69%. Esta realidade e o aumento da aposta na prevenção e nos meios de vigilância e de combate levam o Governo a assumir que Portugal está mais bem preparado para enfrentar a época de incêndios que se avizinha.
Contudo, certo é que “o país continua muito vulnerável ao risco de incêndio”, reafirmou esta terça-feira o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira. Isto porque, explicou o especialista, apesar da evolução positiva demonstrada pelos números de redução de incêndios, de área ardida e dos investimentos crescentes na prevenção, a realidade é que “os comportamentos da população, o ordenamento do território (que mantém a exposição ao risco) e o estado da floresta em termos de carga combustível estão em mudança mas ainda carecem de forte empenho”. E perante a incerteza face à variabilidade meteorológica, entende que “as medidas políticas, os estímulos e os investimentos irão sobretudo produzir resultados dentro de cinco a 10 anos” e que “o reforço de recursos operacionais no combate (mais eficazes a salvar vidas e bens no curto prazo) será sempre insuficiente nos dias de meteorologia extrema”.
Tiago Oliveira retratou este diagnóstico esta terça-feira, no dia de apresentação pública do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, e lembrou que para atingir os objetivos traçados para a próxima década “é necessário um investimento anual de €500 milhões por ano e fixar em 0,3% o número total de incêndios com área superior a 500 hectares”.
De 2017 para 2019 o orçamento para prevenção e combate de fogos rurais aumentou 84%, tendo passado de 143 milhões de euros para 264 milhões de euros, com o peso da prevenção a passar de 20% para 50% deste bolo, segundo informação da AGIF.
Nestes três anos muito mudou. De zero, o programa Aldeia Segura conta agora com 1963 aldeias; foi criada uma linha de apoio SOS para queimas e queimadas que recebeu mais de meio milhão de pedidos; foi lançada uma campanha de sensibilização (Portugal Chama); foi criado um grupo de apoio técnico à decisão; foi integrado no sistema o conhecimento e os alertas meteorológicos do IPMA; foi aumentado o número de hectares sujeitos a gestão de combustíveis (de 120 km de faixas de gestão primárias em 2017 para 1.879 em 2019).
Já na área da vigilância e do combate, aumentou razoavelmente o número de meios humanos e técnicos no terreno: o número de Unidades de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS) da GNR duplicou nos últimos três anos (de 594 para 1185); e aumentou o efectivo de bombeiros (de 4973 para 5729) e os meios de combate (de 1238 veículos para 1659).
Comparando com o efetivo de 2017, para 2020 prevê-se “um aumento de 21% do efetivo de combate, com perto de 12 mil homens e mulheres ao serviço do sistema e de 41% no número de sapadores florestais (de 1365 para 2000)” e haverá 60 aviões contratados entre 2020 e 2023, anunciou o ministro da Administração Interna em conferência de imprensa, esta terça-feira. Quanto às equipas profissionais de bombeiros espalhadas pelo território são atualmente 329 e vão surgir mais 40.
Marcando a véspera do dia de memória da tragédia de Pedrógão, Eduardo Cabrita disse que “a melhor homenagem” que se pode fazer às vítimas dos incêndios de 2017 “é não descansar sobre os bons resultados alcançados em 2018 e 2019” (neste dois anos apenas se registaram três incêndios com mais de 1000 hectares quando em 2017 foram 17). Reconhecendo que “o risco existe”, e tendo em conta as previsões meteorológicas para julho e agosto, “este vai ser um ano difícil”, o ministro da Administração Interna entende que se deve prosseguir com as “transformações profundas” do sistema de modo a “garantir consistência e solidez na resposta”. E sublinhando que a diferença é marcada sobretudo por “uma articulação mais profunda entre entidades, um maior conhecimento integrado no sistema e uma maior profissionalização”, considera que o país “está mais bem preparado”.
A mesma linha de raciocínio seguiu o ministro do Ambiente. João Pedro Matos Fernandes admitiu que a pandemia de covid-19 “perturbou” algum do trabalho planeado para 2020. Só foram executados cerca de 39% dos 973 hectares de faixas de gestão e interrupção de combustíveis e 34% dos 1197 ha de mosaicos, por exemplo. Porém, preferiu sublinhar que “foram recuperados cerca de 1000 km de rios e ribeiros”, lembrando que “as galerias ripícolas são um bom corta-fogo” e que estão a ser investidos €5 milhões na recuperação do Pinhal de Leiria.
Segundo Matos Fernandes, este ano haverá “grande aposta na vigilância”, que conta com 100 novos vigilantes florestais, 50 novas equipas de sapadores florestais e um total de 7000 homens sob o comando da GNR, a que se vão juntar 12 drones “de grande alcance” a vigiar do ar. Matos Fernandes disse também que estão disponíveis €100 milhões para plantar árvores autóctones e melhor gerir a floresta, a que se juntam €45 milhões do Fundo Ambiental para “pagar o justo valor” dos chamados serviços de ecossistemas prestados pelos proprietários, como são a produção de água para beber, ar para respirar ou biodiversidade.
Quanto às críticas feitas pelo Observatório Técnico Independente à atuação do Governo e às falhas e atrasos no Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, Matos Fernandes riposta que “o plano foi concluído e consultada a OTI”. Já quanto às incertezas do Observatório quanto à preparação do país para lidar com grandes incêndios (como os de 2017), o ministro do Ambiente rejeitou “projeções especulativas”. “Cá estaremos em outubro e novembro a fazer, com a mesma transparência, o balanço de 2020”, prometeu.