O movimento de defesa da bacia hidrográfica do Douro MovRioDouro considera que os tranvases de água do Norte para o Sul configuram uma “situação muito perigosa” em termos ambientais, económicos e regulamentares, disse à Lusa o especialista Rui Cortes.
“Essa é uma situação que cada vez mais se está a colocar, porque vemos desde autarcas na região sul, designadamente o Algarve, até proprietários importantes do Alentejo, todos eles a pugnarem por aquilo que se chama autoestrada da água, que é fazer um transvase, porque teoricamente o Norte é excedentário em água”, disse hoje à Lusa Rui Cortes, académico e membro do MovRioDouro.
Para o professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), um dos ‘motores’ por detrás da ideia é a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), o que configura “uma situação muito perigosa”.
Em 19 de outubro, o presidente da Câmara de Olhão e da Comunidade Intermunicipal do Algarve, António Miguel Pina, disse que era preciso “romper com o preconceito de fazer transvases do Norte para o Sul”, pois “a água que cai no Norte tem de chegar ao Sul”.
Para Rui Cortes, também membro do Conselho Nacional da Água, a situação é perigosa “porque de acordo com a própria diretiva-quadro da água, não deve haver transvases”, mas também em termos ambientais e económicos.
“Também é perigoso no sentido em que se está a pugnar por transferências de água, por exemplo, da bacia do Douro para o sul. De facto, não só são obras absolutamente astronómicas do ponto de vista económico, mas não vou entrar por aí, mas especialmente é partir do princípio que no Norte existe excesso de água”, algo que defende ser falso.
“Não existe, de facto, excesso de água no Norte”, disse o especialista.
Rui Cortes relembrou que no ano passado “praticamente toda a bacia do Douro atingiu situações de seca extrema”, e mesmo em “bacias onde chove imenso, no caso a do Lima, a albufeira do Alto Lindoso esteve abaixo dos 17% de capacidade”.
O especialista assinala ainda o exemplo espanhol, em que este ano “os transvases nas bacias do Tejo para a bacia do Segura, na Andaluzia, foram reduzidos em 40% a 50%”, porque “os agricultores do Tejo não aceitam que essa água seja excedentária e que possa ser transferida para o sul”.
“Existem já, do lado espanhol, conflitos que são muito mais agudos do que em Portugal”, assinalou, antecipando que os tranvases criariam “problemas entre regiões” em Portugal, pois nenhuma diz que “a água é excedentária”.
Quanto à componente ambiental, “há uma transferência de espécies de umas bacias hidrográficas para outras, o que vai ter um efeito de alastramento de espécies exóticas invasoras”, alertou.
Isso “vai pôr em causa muitas espécies endémicas que existem em determinadas bacias hidrográficas, e que vão estar sujeitas à sua destruição pelos transvases, especialmente ao nível de espécies piscícolas”.
Rui Cortes contesta ainda a opção de se fazerem mais barragens “quando existem já défices hídricos acentuados, quando as barragens existentes já raramente são cheias”, e mencionou também que as dessalinizadoras comportam, “com a instalação de um sistema de rega, a custos energéticos absolutamente incomportáveis”, no caso, por exemplo, de transporte para o centro do Alentejo.
O especialista criticou ainda o pensamento de que exista “uma panaceia para esta situação que não seja, de facto, o ordenamento correto do território, e implementar culturas adequadas para estes níveis”, e “uma agricultura que proteja o solo”, ao invés de culturas intensivas, por exemplo, ao nível do amendoal, olival, frutos vermelhos ou abacate.