Dois anos depois dos incêncidos que devastaram Mação, é essa linha de fogo que controla as chamas por estes dias. Não pode arder o que já ardeu. E nesta noite de segunda-feira até choveu em Mação e Proença-a-Nova
Enquanto as chamas vão mudando de direção, ora aumentando, ora diminuindo, a área ardida em 2017 tornou-se no verdadeiro cordão de segurança para a população, bombeiros e GNR.
“Há dois anos, o fogo não passou daquela ali ao fundo, nota-se porque está queimada, dali não passa”, conta José Augusto Farinha. Está sentado num banco, em Mesão Frio, numa zona onde não há Internet, nem telemóvel ou telefone. “Aqui não pertencemos à CEE [União Europeia], nem estamos no SÉC. XXI”, lamenta.
TIAGO MIRANDA
Esta segunda-feira lume andou perto, a temperatura chegou perto dos 40 graus, mas Farinha garantia, como se de prova científica se tratasse, que não havia perigo. A mãe, uma senhora de 104 anos de quem cuida e que mora em frente, teve de ser evacuada por precaução há dois anos. Agora, acreditava que não há perigo.
É um misto de sabedoria popular e de quem está habituado a conviver com o fogo com naturalidade. À distância, no concelho de Proença-a-Nova, onde as chamas ameaçavam chegar, a convicção era a mesma. “Não vamos embora. Estamos a controlar, sabemos que quando chegar à área dos fogos de há dois anos não passa nada. Vemos daqui”, conta Arminda Santos, moradora em Relva à Louçã.
Um grupo de moradores reunia-se ao fim do dia, na associação de amigos daquela localidade, para controlar a distância das chamas. “Há dois anos foi muito mau também. É, por isso, que agora já não estávamos à espera de um fogo desta dimensão”, diz Fernando Nunes.
O calor tórrido também não perturbou os habitantes da aldeia da Roda no cálculo que faziam distância das chamas às suas casas. “Quando aqui chegar vai passar por uma área já ardida, vem menos intensa, será mais fácil de controlar”, conta Miguel Fonte quando seis carros de combate de bombeiros tentavam acalmar as chamas atrás de sua casa. “As chamas estão a chegar perto de um lar aqui atrás, aí é que é preocupante, essa zona não ardeu em 2017.”
E não só os moradores têm esta certeza: “Garanto-lhe que não passa da zona dos incêndios de 2017”, diz um comandante dos Bombeiros habituado combater no centro do país, de vigia a um dos mais perigosos focos de atividade do dia.
TIAGO MIRANDA
Não é que não custe, que não se aponte o dedo, que não se peçam mais meios. No meio do caos, tem de haver alguma estabilidade. É só uma questão de tempo até que se repita tudo outra vez. Até que custe, que se aponte o dedo, que se peçam mais meios. Num ciclo que parece imparável.
O que tem falhado desde a tragédia de Pedrogão? “Nao é o que falhou desde aí. É o que falha há décadas, que começou a desertificação do interior. Há menos gente, menos animais, mais mata para queimar”, conta outro bombeiro, que também não quer ser identificado.
As causas deste incêndio – que se suspeita serem de origem criminosa – começam a ser conhecidas. Só que para quem mora no centro do país, a culpa não é apenas dos incendiários e está identificada há muitos anos.
“Dantes éramos aqui 50 crianças só nesta rua. Agora, não há nenhuma em Mesão Frio”, lamenta José Augusto.
Nestes dias foram consumidos mais de três mil hectares de floresta. Se não pode arder o que já ardeu, por onde irá o próximo fogo pegar?