Com a perspectiva de produzir mais de 160 mil litros de azeite em 2019, o Brasil iniciou a colheita de uma ‘safra’ recorde. A olivicultura cresce exponencialmente a cada ano neste país tropical, tendo o estado do Rio Grande do Sul como o grande protagonista, responsável por nada menos que 90% da produção total brasileira.
É justamente nesse estado do extremo sul do país – o mais propício pelo seu clima temperado – que está sediada a Olivas do Sul, uma empresa rural que iniciou a sua atividade em 2006 na cidade de Cachoeira do Sul. Tudo começou com a implementação de um pomar de 12 hectares com plantas importadas de Espanha, que geraram o primeiro azeite extravirgem produzido em escala comercial no Brasil.
De acordo com Jose Alberto Aued, proprietário da Olivas do Sul, a previsão de colheita é muito boa, tanto em termos de quantidade como em qualidade. “A nossa expectativa é de ultrapassarmos os 1.000 litros de azeite por hectare”, projeta este olivicultor ao registar que a empresa rural tem uma área cultivada em plena produção de 25 hectares, no momento.
Se a previsão do recorde de 160 mil litros de azeite se confirmar no Brasil em 2019, a empresa será responsável por 10% do total nacional. Mas o empreendedor rural não está acomodado aos números e projeta uma expansão ainda muito maior: “O nosso principal olival está localizado na cidade de Encruzilhada do Sul, onde temos 100 hectares, porém este só entrará em produção no ano de 2020”.
História
Aued conta que o interesse pela olivicultura surgiu em 2005 porém, à data, não tinha conhecimento de praticamente nada sobre o tema. A primeira observação, lembra ele, foi de que outros países na América do Sul já conseguiam produzir muito bem. Cita o exemplo do Chile, Argentina e Uruguai – todos eles localizados sobre o paralelo 30. “Esta constatação foi um incentivo”, recorda.
“Ao mesmo tempo verificamos que muitas oliveiras foram plantadas na nossa região entre os anos de 1890 e 1940. Passamos então a visitar estas plantações e conversar com as pessoas que conheciam a história destas árvores. Concluímos que elas estavam vivas, vigorosas, mas não produziam em escala comercial. Porém, as pessoas contavam que logo após o plantio eram muito produtivas. Isto foi uma regra – todas produziram e depois, aproximadamente dez anos após o plantio, entravam em decadência. Então nossa missão passou a ser: descobrir a causa dessa decadência. Como minha formação não é na área da agronomia, passei a sentir a necessidade de buscar ajuda qualificada. Esta primeira ajuda veio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mais tarde de outras universidades do Brasil e da Itália”, conta Aued.
A conclusão estava em frente aos seus olhos: a oliveira prospera em solos alcalinos e as terras “gaúchas” eram ácidas. A primeira providência foi pesquisar quais as parcelas onde teriam de corrigir os solos, olhando sempre para a viabilidade económica. E rapidamente chegaram à conclusão de que elevando o pH de aproximadamente 5,0 para um patamar entre 6 a 6,5, numa profundidade de 60 centímetros, já seria possível conseguir bons resultados. Mas como fazer isso?
“Só para lembrar, o calcário dolomítico só foi utilizado no solo do Rio Grande do Sul no início do ciclo da soja, em 1967. Tudo o que foi feito antes não foi contemplado com o cálcio, razão pela qual as plantas entraram em decadência. Aqui temos um facto interessante: Destas árvores plantadas há mais de 100 anos, e que não produziam, transplantamos 66 para nosso solo corrigido. Após três anos começaram a produzir e, nesta colheita, algumas delas atingiram uma marca superior a 100 quilos de frutas”, ressalta.
Resolvida a adaptação do solo, os pioneiros da Olivas do Sul passaram a plantar – e tiveram várias surpresas positivas. Depois de três anos já foi possível uma pequena colheita, e quando o pomar atingiu os cinco anos, chegaram a produzir mais de 70 quilos em algumas plantas. A média de colheita foi de 42 quilos por planta, o que foi um resultado extraordinário para a época. De acordo com o produtor rural, essa foi uma das mais gratas surpresas na olivicultura brasileira: a precocidade com qualidade, atestada por vários prémios internacionais.
Passada a primeira impressão positiva, começaram a surgir alguns novos problemas, sendo que o principal foi a alternância. Foram iniciados então vários trabalhos com o objetivo de resolver isto: adubação, seleção da época e tipo de poda, controle de pragas e doenças, entre outras técnicas. “Demoramos, mas acreditamos que as soluções foram encontradas. Doravante esperamos, claro, uma ciclagem, mas fazendo com que a planta alterne entre 20 e 30 quilos, o que nos parece ótimo”, diz Aued.
“Há muito o que fazer com relação a olivicultura no Brasil, especialmente investigação. Nós trabalhamos muito com isto, e nos motiva muito. No velho mundo a pesquisa é incessante desde antes de Cristo… Aqui temos de ter a consciência que estamos dando os primeiros passos, e há muito a progredir. É isso que nos impulsiona e nos motiva”, conclui.
Segredos e desafios
Questionado sobre quais fatores que credita como razões de seu sucesso, o produtor destaca o trabalho e a pesquisa. De acordo com ele, há uma busca incessante pelo conhecimento, sendo que tanto ele como seus colaboradores já estiveram por várias vezes em países como Portugal, Espanha, França, Itália, Estados Unidos, Chile, Argentina e Uruguai. Além disso, convidaram especialistas de todo mundo para conhecerem o olival brasileiro, e hoje contam com duas consultorias de Itália.
Falando agora como empreendedor, Aued afirma que a visão económica da olivicultura não pode ser avaliada no curto prazo. Há que se considerar que, quando se inicia do zero, há todo o investimento na terra, a implantação e o que chama de “travessia”, isto é, a passagem do momento da implantação até a entrada da produção comercial. Tudo isto é investimento e deve ser diluído ao longo de anos. Com relação aos custos, paga-se o preço do aprendizagem e só depois é possível começar a ver o resultado financeiro.
“Considerando o olival já em produção, entendemos que se trata de uma das melhores alternativas do agronegócio. A rentabilidade é muito boa, ainda mais quando agregamos valor elaborando o azeite de forma diferenciada (não vendo o produto como uma commodity), e por esta razão com um preço diferenciado no mercado. Temos orgulho em fornecer um azeite ‘gourmet’ da mais alta qualidade”, sustenta.
Sobre os desafios da proteção fitossanitária e nutrição, as pragas mais importantes na Região Sul do Brasil são as formigas, as cochonilhas e as lagartas. Não há muita dificuldade em controlá-las, mas exigem muita atenção. Com relação a doenças, a principal é a antracnose, seguida do “olho de pavão” ou repilo.
Quanto a nutrição, os especialistas apontam que é de fundamental importância fazer os aportes na medida certa e na época indicada. Segundo Aued, esses pontos foram decisivos para o sucesso do olival: “Se não entendermos a morfologia e fisiologia da planta, não vamos conseguir resultados satisfatórios”.
Olivicultura no Brasil
O tema é predominante nos encontros técnicos e palestras do setor: a terra e clima do Rio Grande do Sul são adversos à olivicultura? Jose Alberto Aued não concorda. “Temos locais maus e locais maravilhosos, como em qualquer lugar do mundo. Podemos, em razão do índice de precipitação pluviométrica, ter um cuidado maior com pragas e doenças, mas em compensação temos um crescimento fantástico. Enquanto se diz que a época de polinização coincide com a época de maior precipitação pluviométrica, podemos afirmar que, tendo cuidado com a antracnose na flor, nunca tivemos problemas de polinização, enquanto que noutros países o problema da polinização passa pela baixa humidade do ar”, explica.
Apenas exemplificando: em outubro de 2018, quando todas as flores estavam abertas e tivemos apenas dois dias de pleno sol, não houve qualquer problema. A carga de frutas é plena. No Sul do Brasil há quatro estações bem definidas, exatamente o que a oliveira deseja. Claro, há exceções em alguns anos, onde as temperaturas de inverno oscilam bastante.
“Na nossa última visita a Itália vimos muitos pomares com as folhas totalmente queimadas pelo frio. Ocorreram temperaturas muito baixas por vários dias seguidos. Bem, aqui não temos isso. Outro ponto é a neve, que onde ocorre acaba se acumulando nos ramos e quebrando as braças. É outro problema que não temos. Enfim são vários temas sobre o assunto. Não conheço ainda o lugar perfeito, mas certamente não estamos no pior”, afirma.
Além do Sul, em locais onde houver frio e solos drenados, a olivicultura pode ser promissora no Brasil. Há pomares na fronteira entre os estados de Minas Gerais e São Paulo que também parecem muito promissores, alguns já com bons resultados. O problema é quase idêntico ao do Sul: a falta dos cuidados necessários na implantação do pomar.
“Somos jovens e gradativamente vamos observar os resultados de cada tipo de implantação. Acreditamos que em poucos anos já teremos um padrão estabelecido, com base no que deu resultado comparado com o que não deu. Tendo sempre em consideração que até ao quinto ano a implantação não fará toda a diferença. Os problemas surgirão depois”, observa o proprietário da Olivas do Sul.
Aued acredita que há um mercado extraordinário para explorar no Brasil. Trata-se do segundo maior importador de azeite do mundo. Sem falar de azeitonas de mesa, que têm um potencial maior do que o do azeite, segundo apontam os especialistas de mercado.
Falando de qualidade, o produtor garante que o azeite brasileiro não perde em comparação com o europeu. “Acabamos de receber as análises (de laboratório) do cultivar Koroneiki, produzido por nós. Os parâmetros apontam acidez livre de 0,09, índice de peróxidos de 2,57, extinção específica UV K270 de 0,12 e extinção específica UV Delta K de 0,0048. Estes, a nosso ver, são resultados maravilhosos, e que podem ser comparados a qualquer azeite produzido em qualquer lugar do mundo”.
Na área da percepção sensorial, o azeite da Olivas do Sul apresenta muitas notas herbáceas de relva cortada, amêndoa verde e tomate. Aued promete que irão enviar algumas amostras para concurso na Europa e assim deixar que os especialistas façam o julgamento. Mas lembra que em anos anteriores já participaram em vários concursos no “Velho Mundo” e acumularam vários prémios. “Conhecemos muitos grandes azeites Europeus, mas eles são bem diferentes dos que encontramos em nosso mercado”, alerta.
Por fim, o produtor de azeite não vê alguma característica que diferencie o produto brasileiro dos demais latinos e europeus. “Claro que no Brasil testamos apenas uma pequena parte das cultivares, o que pode mudar muito a qualidade dos azeites e ainda temos de considerar que cada local terá seu ‘terroir’. A vantagem é que o nosso azeite é feito aqui e comercializado de imediato. Como sabemos, juventude é tudo num azeite”.
Pode-se comparar a olivicultura brasileira com a vitivinicultura. Os produtores de oliveiras acreditam que pode ocorrer uma trajetória similar, pois ninguém conhecia os vinhos brasileiros há quatro ou cinco décadas. Para isso, todos são unânimes, é preciso reforçar a cultura no país tropical por divulgar, mostrar qualidade, produtividade e rentabilidade. Mas o futuro parece promissor para a Olivas do Sul do Brasil.