Seca extrema, seca severa, seca prolongada, falta de chuva. Um país seco. Os alertas para a seca são muitos e variados, há muito tempo. Mas, porque este é um país inclinado para o litoral, a seca não se vê nas cidades, onde as torneiras continuam a jorrar.
Com o verão à porta, são muitos e variados os alertas, sobretudo a sul. Depois de já ter sido racionado o consumo de água para rega, será que a mesma restrição pode chegar aos animais e aos humanos?
No início do ano perspetivava um 2023 tranquilo no abastecimento de água no Alentejo. Com 89% do país em seca e 34% em seca severa ou extrema, precisamente no Alentejo e Algarve, mantém essa tranquilidade?
Um país pequeno precisa de uma barragem tão grande?
O projeto do Alqueva chegou ao fim do ano com 130 mil hectares infraestruturados para rega, mais 10 mil do que no ano passado. Continua a ter garantias de abastecimento à região para as próximas três campanhas?
Sim, o desenho do sistema prevê essa capacidade estatística de garantia. Se a albufeira estiver cheia e se tivermos os consumos todos em pleno, com toda a expansão que temos prevista em pleno consumo, o reservatório cheio permite três anos de abastecimento. Grosso modo, temos cerca de 3 mil milhões de capacidade útil – a capacidade total são 4150 milhões de metros cúbicos, 3 mil deles são facilmente utilizáveis e o consumo total de um ano são cerca de mil milhões que se repartem desta forma: 600 que gastamos efetivamente, 200 que retiramos do sistema, empurramos por tubos e fazemos chegar à porta dos clientes e outros 200 milhões são entregues ao rio para assegurar funções ecológicas – cerca de 200 milhões são perdidos por evaporação e não é controlável porque o lago do Alqueva é uma área muito, muito grande. É o consumo de um ano; se tivermos 3 mil milhões, assumindo que não entra nada, dá para três anos.
Mas então é meramente preventiva ou pedagógica a medida tomada pela EDIA para estabelecer tetos de uso de água conforme as culturas, para ajudar quem cumpre e impedir abusos?
É uma medida pedagógica, porque não estamos preocupados com este ano, estamos preocupados com daqui a sete ou 10 anos, quando tivermos mais áreas servidas do que temos hoje. Há ainda muitas culturas que se estão a instalar, algumas centenas de hectares de novos olivais e amendoais… quando isto tudo estiver em pleno e em velocidade cruzeiro, vamos precisar de distribuir mais água. E se não contemos as utilizações ilegais corremos o risco de ultrapassar a nossa concessão. É isso que não queremos que aconteça. Queremos garantir, ou continuar a garantir, os três anos de fornecimento, por isso é que criámos estas regras que definem o volume auto- rizado para cada cliente.
E o preço que indicaram para as tarifas, duplicando-as – um aumento que aliás foi travado pelo governo, fixando uma subida de 24%. Por que previam aumentar tanto?
Quem determina os preços praticados pela EDIA são três ministros: Agricultura, Ambiente e Finanças. A EDIA propõe e apresenta cenários – esse valor que foi veiculado não era a nossa proposta de preço.
Era a das Finanças?
Não… Era um resultado dos custos do segmento água. É natural que nessa discussão entre três pastas haja alguma tensão, não é? É natural que as Finanças queiram subir mais o preço do que a Agricultura, que quer que os agricultores tenham melhores condições. E chegou-se a uma solução equilibrada.
Mas então não foi a EDIA que propôs o aumento superior a 100%?
A EDIA apresentou os custos, mas a nossa proposta era francamente abaixo, porque fazemos a gestão integrada de todas as componentes. E temos também receitas que podem ser tidas em consideração, principalmente na eletricidade. Portanto, temos uma receita que vem da exploração das barragens de Alqueva e Pedrógão que pode ser posta em equação, para suportar parte dos nossos custos.
Alguns ambientalistas, como a Zero e a Almargem, denunciaram há dias mais de 6 mil hectares de regadio não autorizado no Alqueva. Estes projetos agrícolas já foram identificados e denunciados?
A identificação dessas áreas é feita pela EDIA, essas associações usam os nossos dados, e é por termos essas áreas não autorizadas que criámos a regra de definir volumes. As manchas de regadio estão definidas num mapa, mas no terreno não se vê nenhuma linha a dizer “aqui acaba o regadio”. E é normal e frequente que uma área de regadio termine no meio da propriedade de um agricultor, podendo este ser tentado a esticar o regadio para ocupar toda a sua parcela, toda a terra. Mas não foi assim que o sistema foi desenhado. Se todos o fizerem, crescíamos infinitamente até ao mar ou até Espanha… Portanto, temos de conter o crescimento.
E seria mau haver esse crescimento da área de regadio?
Na perspetiva do proprietário, que já é servido, não é mau, é ótimo, porque vai fazer mais regadio na sua terra. Mas se crescermos dessa forma não vamos conseguir ter recursos para as outras áreas onde queremos chegar – outros concelhos que não têm regadio, como Moura, a Amareleja ou Reguengos.
Mas o projeto pode caminhar para haver mais área de regadio em zonas onde hoje não chega?
Sim, mas esse plano de expansão foi pensado para chegar a outras zonas e atender aos desejos de outros concelhos que estão na proximidade e que não o têm. O plano de expansão é esse.
O setor agrícola é muitas vezes apontado como o mau da fita pelos consumos brutais de água, sobretudo na pecuária e agricultura intensiva. Não é possível investir mais no reaproveitamento?
É, mas primeiro temos de tirar aí o ónus do setor agrícola. O que a agricultura faz é transformar água em alimentos. A agricultura é o principal utilizador de água e será sempre, porque é o único produtor de alimentos para 8 mil milhões de habitantes no planeta Terra. Não podemos deixar que se diga que a agricultura tem de gastar menos água. Queremos comer menos? Ou queremos reduzir a população da Terra? Não queremos. O desejo de Portugal, de aumentar a eficiência no uso da água, todos percebemos e assinamos por baixo. Agora, dizer que queremos gastar menos água só porque sim, porque há menos, não devia ser a nossa ambição. A nossa ambição devia ser […]