Os baixos índices de precipitação observados no Alentejo no ano hidrológico de 2018/19 levou o Governo a encomendar um Plano Regional de Eficiência Hídrica (PREH), em dezembro de 2019. O prazo para execução do estudo era de 90 dias, mas até hoje em não são conhecidas as conclusões do mesmo. Os regantes mostram-se preocupados com o atraso, dado que as alterações climáticas fazem prever o pior dos cenários.
Texto Aníbal Fernandes
Nos últimos quatro anos a região do Alentejo foi assolada por uma situação de seca que variou entre os níveis elevado e extremo. No entanto, há dois anos, os sinais de alarme acenderam-se. A precipitação registada não ultrapassou os 50 por cento da média anual verificada no período de 1971 a 2000, evidenciando “uma tendência de agravamento devido ao efeito expectável das alterações climáticas”.
Num despacho assinado pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, pela ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes e a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, o Governo incumbiu a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) da coordenação e elaboração das bases do plano com diversos serviços e entidades do setor, num prazo de três meses.
Passado mais de um ano, o gabinete da ministra da Agricultura esclarece que o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Alentejo “está a ser desenvolvido em estreita colaboração com as entidades gestoras dos recursos hídricos, nomeadamente a EDIA, as associações de regantes e as entidades gestoras do setor urbano”, mas não adianta uma data para a sua conclusão e divulgação.
Revela, no entanto, que “neste momento, os trabalhos técnicos prosseguem, tendo já sido avançados vários projetos pelos diversos intervenientes estando a decorrer a sua articulação”, o que impede, para já, de “avançar mais elementos sobre a sua constituição e propostas”.
Este atraso não agrada à Fenareg nem ao seu presidente José Núncio: “Não podemos adiar este problema. Como resultado das alterações climáticas prevê-se uma redução significativa das afluências de precipitação médias anuais e Portugal apenas tem capacidade para reter 20 por cento da água disponível. Estamos a ver já exemplos disso, com secas cada vez mais prolongadas, nomeadamente nas bacias hidrográficas do Alto Sado, do Mira e Ribeiras do Algarve”, refere.
PLANO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA
Entretanto, em resultado da pandemia e das medidas previstas de ajuda às economias no âmbito da União Europeia o Governo anunciou uma verba de 441 milhões de euros para aumentar a eficiência hídrica e adaptação à seca no Algarve, Alentejo e Madeira, integrado no PRR. Para o Alentejo apenas está previsto o investimento de 171 milhões de euros no “projeto de construção da barragem do Pisão e do regadio que lhe está associado”, o aproveitamento hidroagrícola do Crato, no Norte Alentejano, confirma o Ministério da Agricultura.
No total, o Programa Nacional de Investimentos 2030 prevê a mobilização de 750 milhões de euros para o regadio nacional, verba que a Fenareg considera curta. José Núncio, em declarações ao “Diário do Alentejo”, aponta para uma verba de 1700 milhões de euros. “Entendemos que o PRR ficou muito aquém do necessário”, uma vez que “esta é uma oportunidade única para investir em infraestruturas”. Apesar de tudo, o dirigente associativo dos regantes, espera que o PREH, que acredita “sairá brevemente”, possa alterar esta perceção e “não mostre vistas curtas”.
José Núncio considera que o setor agrícola pode estar a ser vítima da “resiliência que mostrou durante a pandemia”, e lembra que “é importante dar um novo fôlego para que as pessoas possam viver no interior”, nomeadamente através aceleração de outros projetos que permitam o armazenamento de água, como por exemplo, as ligações ao Alqueva, na Baía do Sado ou projeto previsto para a Lezíria do Tejo: “Há que preparar os territórios para os períodos de seca”, avisa.
O Governo argumenta que os 750 milhões previstos (para todo o País) correspondem a um valor consideravelmente superior àquele que o Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR 2020) reservou em 2014 para o mesmo fim”, e que “o esforço de investimento dirigido para o regadio tem que constituir um compromisso com as restantes prioridades nacionais”, como a saúde, a educação, a justiça ou cultura, por exemplo.
No âmbito do período de discussão pública do PRR, a Fenareg produziu um documento em que defende uma estratégia nacional para o regadio composta por sete eixos estratégicos, entre os quais o aumento da capacidade de armazenamento de água e expansão da área de regadio a modernização das infraestruturas e o reforço da sustentabilidade ambiental do regadio.
Quando comparado com os objetivos traçados pelo despacho que decidiu avançar com o PRHE, aquilo que se poderá esperar deste documento ficará sempre aquém do levantamento realizado pelos agricultores, já que o que está em cima da mesa, proposto pelo Governo, é a “avaliação das disponibilidades e dos consumos hídricos atuais, nas bacias hidrográficas do Sado, Guadiana e Mira, e estabelecimento de cenários prospetivos que tenham em conta os efeitos das alterações climáticas; o estabelecimento de metas e horizontes temporais de eficiência hídrica para os principais usos, nomeadamente os associados aos setores agrícola e urbano; a identificação de medidas de curto e médio prazo que promovam a reutilização da água tratada e a eficiência hídrica, assim como os fatores críticos para o seu sucesso; e a identificação de soluções estruturais e novas origens de água que complementem o previsível decréscimo do recurso por via das alterações climáticas”.
Em concreto, diz a Fenareg “continua a existir uma lacuna nos apoios para aumentar a capacidade de armazenamento de água e a eficiência do uso da água e da energia na agricultura”, acrescentando que “só com sustentabilidade infraestrutural” será possível modernizar as zonas de regadio existentes”.
Estas são as premissas apontadas pela Fenareg para que, com “o uso de tecnologias de precisão”, o país consiga “ter uma agricultura economicamente sustentável, responder ao conjunto de desafios ambientais, poupar água, reduzir o uso de fertilizantes, preservar a biodiversidade e aumentar a capacidade de produção com alimentação segura, segurança alimentar e equilíbrio da balança alimentar.
O artigo foi publicado originalmente em Diário do Alentejo.