Na contagem decrescente para o novo ano, cruzam-se dossiês importantes que não deixarão de condicionar 2025. Desde logo (e sempre?) a SILOPOR, empresa estratégica para o país e que poderá avançar para a liquidação em breve, criando-se uma estrutura que possa investir e preparar a futura concessão da operação portuária, uma vez que a atual termina em junho. Apenas pugnamos pela transparência, neutralidade de gestão e garantia do serviço público, bem como por sermos ouvidos em todo esse processo. Para já, confrontamo-nos com uma ameaça de greve nos próximos dias 26 e 27, pelo que urge definir os serviços mínimos, que devem ter presentes a alimentação, humana e animal, para mitigar os danos na cadeia de abastecimento. Com stocks reduzidos e alta pressão na procura, numa época tão sensível, os riscos de rutura são enormes. O Governo está alertado para as consequências e acreditamos que tudo fará para evitar o caos no aprovisionamento de matérias-primas.
As operações portuárias, com custos elevados, e a interligação/complementaridade do porto de Lisboa com outras infraestruturas são essenciais para a competitividade da fileira. Precisamos de cereais e urge promover a produção nacional para reduzirmos a elevada dependência e vulnerabilidade, o que está consubstanciado na Estratégia + Cereais para o período 2025-2030, que analisámos esta semana em reunião no GPP. Propõem-se, e bem, sete medidas estratégicas e nove prioridades de curto e médio prazo, as quais devem envolver as organizações representativas da produção, da indústria e da distribuição, mas também a investigação e entidades públicas e privadas. O PEPAC é aqui muito importante, bem como os apoios à inovação e investigação. A biotecnologia, em particular as NGT, tem um papel muito relevante. Os cereais nacionais devem ser promovidos e valorizados, pois a dependência cria uma acrescida vulnerabilidade. Os stocks estratégicos são fundamentais sobretudo no contexto geopolítico em que vivemos. Afinal, está em causa a nossa soberania alimentar.
Outro tema a que temos de estar atentos é o da desflorestação. Foi finalmente confirmada esta semana, pelo Parlamento Europeu, a prorrogação da entrada em vigor do EUDR por um período de 12 meses, com a prometida simplificação. Os decisores políticos e a opinião pública não nos perdoarão se estivermos a pedir mais tempo no final do próximo ano. Urge, por isso, trabalhar em conjunto com a Comissão Europeia, e, em Portugal, com a DGAV (com mais meios?) e com o ICNF, para agilizarmos procedimentos e sermos capazes de responder às exigências, com um diálogo aberto e construtivo com os países fornecedores, desde logo os do Mercosul.
Este (o Mercosul) é outro dossiê que não nos vai dar tréguas no próximo ano, se tivermos em conta as manifestações recentes dos agricultores franceses e espanhóis contra o acordo entre a União Europeia e os países da América do Sul. Ignoramos se esses agricultores conhecem ou não todos os detalhes do acordo e os estudos de impacto, de modo a fazerem uma avaliação correta, ou se estão a protestar apenas contra situações políticas internas de tensões e instabilidade. Não vamos aqui repetir a avaliação que fazemos do acordo (globalmente positivo) porque já a partilhámos na semana passada. Pese embora as ameaças e as oportunidades, há que exigir as mesmas regras de produção e corporizar as “mirror clauses”. Para Portugal e para a União Europeia, o multilateralismo é fundamental, num mundo em que a Organização Mundial do Comércio praticamente perdeu toda a sua influência e estaremos a poucos dias (a partir de 20 de janeiro?) de nos confrontarmos com medidas de protecionismo.
Foi, aliás, também pelo direito aos acordos de comércio livre, que respeitem as regras da União Europeia nas dimensões ambiental, segurança alimentar, social e de bem-estar animal – o valor inegociável de que fala a Presidente Von der Leyen –, que os agricultores protestaram no início do ano e que levou ao Diálogo Estratégico. A Europa não pode dar “tiros nos pés”.
No Diálogo, os dados estão lançados, teremos a Visão sobre o futuro da Agricultura e da Alimentação, em finais de fevereiro, de acordo com o Comissário Christophe Hansen.
Na abertura da Conferência Agri-Food Days, que decorreu de 10 a 12 de dezembro, já foi possível reter o seu ”pensamento”, as linhas-mestras: um olhar multifacetado para o futuro da agricultura da UE, expressando um compromisso com políticas que elevem os agricultores, abordem o despovoamento rural e promovam a vitalidade económica. Mas também a necessidade de assegurar a renovação geracional, uma vez que apenas 12 % dos agricultores da UE têm menos de 40 anos e somente 3 % são mulheres. E que tenha em conta as pressões das tensões geopolíticas e das alterações climáticas, bem como os obstáculos económicos, enquanto valoriza a resiliência da agricultura europeia. O grande objetivo é tornar a agricultura economicamente viável, ambientalmente sustentável e atraente para as gerações mais jovens. As principais estratégias incluem o incentivo de práticas sustentáveis, a redução dos encargos administrativos, a promoção do investimento em tecnologia e uma maior justiça nas cadeias de valor. Tudo isto com políticas inclusivas, envolvendo agricultores, partes interessadas da indústria, consumidores e outros grupos, para garantir que as mudanças beneficiem todo o ecossistema agroalimentar.
Durante esse evento foi anunciado um acordo com o Banco Europeu de Investimento (BEI), de € 3 biliões em empréstimos para agricultura e outras bioatividades. Estas novas iniciativas fazem parte do plano do BEI para a agricultura e a bioeconomia no contexto do Diálogo Estratégico sobre o futuro da agricultura da UE. Foi ainda divulgado o relatório sobre ‘Perspectivas agrícolas da UE, 2024-2035‘, que vai ser utilizado como base não só para a Visão como para a futura PAC. O Outlook salienta a necessidade de uma política adaptada à evolução das tendências de consumo e às realidades climáticas. Por outro lado, parece consolidar-se a ideia de que a política agrícola vai ter de ser financiada com recursos que vão muito para além do orçamento tradicionalmente destinado à agricultura. Consubstancia-se a importância dos PEPAC, porque as realidades são muito diferentes nos países da União Europeia.
A tudo isto, juntamos um “mundo novo”, a imprevisibilidade que se pode vislumbrar depois da tomada de posse do Presidente Trump, na sua nova versão. Todos temos a consciência de que a União Europeia deve ter nos EUA um aliado forte e fiável, e de que as relações transatlânticas são decisivas, mas ainda não se conhecem as políticas de fundo da futura Administração, e em que medida impactarão o mercado europeu: mais protecionismo, retaliações como resposta, o orçamento da defesa e o papel da NATO, a guerra na Ucrânia, que pode ter um fim à vista (com que sacrifícios?), o alargamento da União, o tema das migrações, o reforço dos EUA no Índico e no Pacífico, os BRIC, as tensões com a China e a dependência europeia… são demasiadas questões, de grande complexidade, que farão certamente de 2025 um ano particularmente desafiante.
Apenas esperamos que os decisores invertam esta tendência de degradação (não raras vezes de desprestígio) das Instituições, nacionais e internacionais, que sejam mais responsáveis, mais transparentes e que decidam com bom senso, sem fundamentalismos, de preferência com base no conhecimento, na ciência, promovendo a inovação e o pensamento crítico. Que não se esqueçam dos relatórios Draghi ou Letta, que colheram uma quase unanimidade nos diferentes setores.
Mas, sobretudo, que nos tragam esperança e não instabilidade, insegurança ou desilusão. Em nome de uma União Europeia mais coesa, reforçando o projeto europeu, que, nunca como hoje, é tão necessário afirmar.
Nesta contagem decrescente, desejamos a todos um Santo Natal e Festas Felizes!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA