O recurso do Ministério Público do acórdão do Tribunal Judicial de Leiria que absolveu os 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande considera que a possibilidade de salvamento das vítimas era real.
“A possibilidade de salvamento das vítimas, caso os deveres tivessem sido cumpridos, não era assim teórica, mas real – como se atesta, não nos cansamos de realçar, pela existência de sobreviventes, apesar das omissões dos arguidos”, lê-se no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que pede a condenação de sete dos 11 arguidos absolvidos em primeira instância.
Os sete arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, o ex-presidente e o antigo vice-presidente do Município, Valdemar Alves e José Graça, respetivamente, e ainda a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Condenação é pedida também para os três funcionários da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).
Para o MP, “o tribunal parece aceitar que um hipotético cumprimento dos deveres jurídicos pelos arguidos não exerceria qualquer influência sobre o resultado – mas tal não se verificou, até pela circunstância de haver sobreviventes”.
“Caso contrário, estar-se-ia a admitir que a violação dos deveres de cuidado era indiferente e completamente inútil para a sorte das vítimas” e que tal “equivaleria a renunciar às normas de cuidado precisamente num evento em que o cumprimento dos deveres de cuidado eram mais prementes, ou seja, no decurso de um incêndio com as características descritas”, escreve a procuradora da República Ana Mexia.
Segundo o MP, “as omissões dos arguidos enquadram-se numa potenciação do risco” e, “ao não cumprir com os deveres que se lhes impunham, tais omissões aumentaram o risco de produção de lesões para as vítimas, na sequência da exposição ao incêndio”.
“Se as vítimas se viram ‘encurraladas’ pelo fogo, admitir que o cumprimento das normas de cuidado era indiferente para o salvamento delas é admitir factos hipotéticos excludentes da própria ilicitude, é adotar um entendimento segundo o qual as vítimas não mereceriam mais a proteção jurídico-penal nas situações em que foram surpreendidas pelo fogo”, lê-se no documento.
O recurso acrescenta que “a perseverança na função de tutela dos bens jurídicos que o Direito Penal assume, em qualquer situação, é em razão do princípio constitucional da dignidade humana. Este princípio basilar não pode ceder em qualquer circunstância, ainda para mais quando os bens jurídicos da vida e integridade física das vítimas não estavam numa situação irremediavelmente perdida, como a prova demonstrou pela existência de sobreviventes”.
O Tribunal Judicial de Leiria absolveu, em 13 de setembro, os 11 arguidos num julgamento em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
O MP não recorreu da absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) José Geria e Casimiro Pedro, do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.