Recentemente saiu o veredito: “Monsanto vai ter que pagar 289 milhões de dólares por ter sido provado em tribunal que o glifosato causa cancro.“
Pronto…é um facto. Depois de mais de 40 anos, milhares de estudos, está finalmente provado que o glifosato causa cancro. A discussão está, por fim, concluída. Ou não.
Os tribunais não ditam a ciência
Este veredito foi dado por um tribunal em São Francisco, na Califórnia. Foi também decidido por um tribunal na Califórnia que o café tem que ter um aviso que causa cancro. É verdade. Não sabia? Segundo a justiça californiana, o café causa cancro. No entanto, segundo a ciência, beber café diminui a mortalidade, incluindo a mortalidade por cancro (1, 2, 3). Não faz muito sentido, pois não?
Neste caso do glifosato, a decisão foi realizada por um júri. Ou seja pessoas comuns, não especialistas na área, que se seguem pela emoção e não pela razão. Sabendo que o nome Monsanto e Glifosato está na mente das pessoas (graças ao ótimo marketing dos promotores do medo) associado a tudo o que é mau, este veredicto não é surpreendente. A noção de que um júri não treinado vai dominar a ciência que demora anos a dominar em apenas 8 semanas é simplesmente absurdo. Principalmente quando, num tribunal, temos dois lados opostos que argumentam como se estivessem em posições de mérito equivalente. A mesma falácia que vemos acontecer nos debates sobre alterações climáticas e vacinas. Quem ganha é quem melhor argumenta…não propriamente quem tem os factos e a ciência do seu lado. Além disso, como já temos vindo a perceber cada vez com mais detalhe, a ciência dificilmente muda crenças. Um júri que acha que a Monsanto é Satanás devido à propaganda de décadas não tinha hipótese de ganhar. A Bayer vai recorrer e aposto que, se o caso for decidido por júri, vai perder novamente.
Hazard Versus Risco
Quando se fala em glifosato e cancro, fala-se na IARC. Toda a gente ouviu falar do relatório da IARC, que considerou o glifosato como um provável carcinogénio (grupo 2A) O relatório conclui que existe evidência suficiente em estudos animais para considerar o glifosato um carcinogénio e que existe evidência limitada nos humanos, mas que nos humanos se observa uma associação positiva entre o glifosato e o linfoma não-Hodgkin. O problema é que a IARC faz avaliação de Hazard e não do Risco. E isto é crucial que percebam.
Quando falamos de Hazard – palavra que não tem tradução para português – será como eu dizer que a água causa edema cerebral e morte subsequente. O paracetamol causa insuficiência hepática. O álcool causa coma alcoólico e morte. Os opióides matam devido a depressão respiratória.
Tudo isto é verdade…mas para acontecer, a pessoa tem que beber mais de 8 litros de água de seguida, ingerir mais de 7-8 gramas de paracetamol, beber uma porrada de álcool e ingerir uma caixa inteira de opióides (ou mais). Ou seja, o Hazard não tem em conta o nível de exposição. Eu posso ser morto por um tubarão, mas a probabilidade de isso acontecer é nula se eu não for ao mar. Ou seja, o Hazard existe, o Risco é nulo.
Portanto, o Hazard apenas nos diz se algo é possível ou não, de uma forma em bruto. E em ciência e saúde, o que nos interessa não é Hazard mas sim o Risco, que levam em consideração a exposição a determinada substância (Risco = Hazard x Exposição). Traduzi uma imagem elucidativa do Blog Risk-Monger (que aconselho a seguirem), para perceberem o ridículo da coisa:
Portanto, o que a IARC nos diz é que o glifosato é provavelmente carcinogénico se a pessoa andar a beber glifosato diretamente da garrafa, todos os dias, durante anos.
Outra coisa que a IARC não nos diz, devido ao facto de considerar apenas o Hazard, é quais as substâncias mais ou menos perigosas. O facto de um carcinogénio estar no Grupo 1 da IARC não significa que seja o mais perigoso. Apenas nos diz que a evidência para aquela substância causar cancro é mais forte. Portanto, a carne processada pode estar no Grupo 1 da IARC e ser menos perigosa que a Acrilamida, classificada no Grupo 2A. Honestamente, é um classificação relativamente inútil e não devia ser adoptada por agências deste género nem sequer levadas em conta para tomar decisões políticas ou legais.
Mas os problemas do relatório e da IARC não são apenas esses
Para além do sistema de classificação e avaliação sui generis da IARC, este relatório está manchado de críticas em termos científicos e éticos. Foram deixados de fora estudos em animais (1, 2, 3) que demonstravam a segurança do glifosato. No rascunho do relatório, existia uma referência a um relatório de patologia ordenado por especialistas da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Esse relatório” firmemente “e” unanimemente “concordou que o glifosato não causou “crescimentos anormais” (neoplasias) nos ratinhos estudados. Na monografia final publicada pelo IARC, esta frase foi excluída.
Além disso, Christopher Portier, um conselheiro chave da IARC que fez lobby para ter o glifosato listado como cancerígeno, aceitou 160.000 dólares de advogados (artigo e artigo) que representam doentes com cancro e que tiveram um avultado lucro processando os fabricantes de glifosato: “A falha de Portier em revelar um conflito de interesse tão óbvio explodiu em um caso clássico de fraude científica. ” Nada de anormal, certo?
O mais giro é algo que já tinha falado na página do Facebook. Toda a gente cita o relatório da IARC. No entanto, há mais de uma dezena de relatórios que dá o glifosato como seguro e que ninguém costuma citar. E são agências que fazem avaliação de risco.
Deixo o resumo das conclusões de todos os relatórios realizados sobre o glifosato:
EPA (2016) 🇺🇲 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
Bfr (2013) 🇩🇪 – Relatório
⭕ acusado de conflitos de interesse pelas ONG (investigação em andamento)
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
EFSA (2015) 🇪🇺 – Relatório
⭕ acusado de conflitos de interesse pelas ONG (investigação em andamento)
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉 NÃO CARCINOGÉNICO
ECHA (2017) 🇪🇺 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
❌ classificação não tem em consideração a exposição real
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
OMS & FAO (2016) 🇺🇳 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
❌ avalia apenas os consumidores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
Arla (2017) 🇨🇦 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
Pmra (2015) 🇨🇦 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉 NÃO CARCINOGÉNICO
Rda (2017) 🇰🇷 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉 NÃO CARCINOGÉNICO
IARC (2015) 🇺🇳 – Relatório
❌ suspeita de fraude (investigação em andamento)
❌ classificação não tem em consideração a exposição real
✅ avalia os agricultores
⚠️PROVÁVEL CARCINÓGENIO
Apvma (2016) 🇭🇲 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
FSC (2016) 🇯🇵 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
❌ avalia apenas os consumidores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
NZ EPA (2016) 🇳🇿 – Relatório
✅sem conflitos de interesse
✅classificação da exposição real ao herbicida
✅avalia os agricultores
👉 NÃO CARCINOGÉNICO
Anses (2016) 🇨🇵 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
✅ avalia os agricultores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
Osav (2018) 🇨🇭 – Relatório
✅ sem conflitos de interesse
✅ classificação da exposição real ao herbicida
❌ avalia apenas os consumidores
👉NÃO CARCINOGÉNICO
Então, temos relatórios da União Europeia, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Suiça, França, Alemanha, Canadá, etc. Todos concluem pela segurança do glifosato. No entanto, por alguma razão o que tem sido citado constantemente é o relatório da IARC. Um relatório que não produz qualquer tipo de evidência nova, apenas analisa a evidência existente. Um relatório que faz a avaliação do Hazard e não do Risco, sendo que o Hazard pouco interessa para analisar o risco para a saúde. Um relatório que sempre foi altamente criticado pela comunidade científica.
Mais ciência sobre o glifosato
Depois de o relatório da IARC ser publicado em 2015, um painel de peritos publicou em 2016 um artigo que contradiz a conclusão da IARC relativamente à genotoxicidade do glifosato:
“O Painel de Especialistas concluiu que o glifosato, as formulações de glifosato e o metabolito ácido aminometilfosfónico não apresentam risco genotóxico e os dados não suportam a avaliação de genotoxicidade da Monografia do IARC. Com relação à classificação e mecanismo de carcinogenicidade, o Painel de Especialistas concluiu que as evidências relativas a um mecanismo de stress oxidativo de carcinogenicidade não eram muito convincentes e que os perfis de dados não eram consistentes com as características de carcinogénios genotóxicos.”
Em 2012 foi publicada uma revisão sistemática que conclui:
“A nossa revisão não encontrou nenhum padrão consistente de associações positivas indicando uma relação causal entre o cancro na totalidade (em adultos ou crianças) ou para qualquer cancro específico e a exposição ao glifosato.”
Para o caso específico de leucemias e linfomas, em 2016 foi publicada nova revisão sistemática e meta-análise baseada em estudos epidemiológicos em seres humanos, que conclui:
“Os riscos meta-relativos (meta-RRs) foram positivos e estatisticamente significativos de forma marginal para a associação entre qualquer uso versus nenhum uso de glifosato e risco de linfoma não-Hodgkin (meta-RR = 1,3, intervalo de confiança de 95% (IC) = 1,0-1,6, baseado em seis estudos) e mieloma múltiplo (meta-RR = 1,4, IC95% = 1,0-1,9; quatro estudos). As associações foram estatisticamente nulas para linfoma de Hodgkin (meta-RR = 1,1, 95% IC = 0,7-1,6; dois estudos), leucemia (meta-RR = 1,0, IC95% = 0,6-1,5; três estudos) e subtipos de linfomas não-Hodgkin, exceto linfoma de células B (dois estudos cada). Os vieses e fatores confundidores podem explicar as associações observadas. A meta-análise é restrita por poucos estudos e por uma métrica de exposição bruta, enquanto o corpo geral da literatura é metodologicamente limitado e os achados não são fortes ou consistentes. Assim, uma relação causal não foi estabelecida entre a exposição ao glifosato e o risco de qualquer tipo de linfoma ou leucemia.”
Portanto, segundo esta meta-análise, o glifosato pode estar associação de forma marginal ao mieloma múltiplo e linfoma não-Hodgkin (linfoma de células B). No entanto, também em 2016, quatro painéis de peritos independentes publicam um artigo que contradiz as conclusões do relatório da IARC e nega relação do glifosato com o risco de linfomas não-Hodgkin:
“O peso total das evidências dos dados de toxicologia genética suporta a conclusão de que o glifosato (incluindo os metabolitos GBFs e AMPA) não representam um risco genotóxico e, portanto, não devem ser considerado como apoio para a classificação do glifosato como carcinogénio genotóxico. A avaliação dos dados epidemiológicos constatou que os dados não suportam uma relação causal entre a exposição ao glifosato e o linfoma não-Hodgkin, enquanto os dados foram considerados muito escassos para avaliar uma relação potencial entre a exposição ao glifosato e o mieloma múltiplo. Como resultado, após a revisão da totalidade das evidências, os Painéis concluíram que os dados não suportam a conclusão da IARC de que o glifosato é um “provável carcinógeno humano” e, consistente com as avaliações regulatórias anteriores, concluiu ainda que o glifosato é improvável um risco carcinogénio para humanos.”
E não foram os únicos…em 2016 outro painel de peritos fizeram um publicação semelhante com resultados semelhantes. Além disso, como já tínhamos falado aqui, em 2017 foi publicado um estudo de longo prazo (20 anos de duração) que analisou a relação entre o glifosato e a ocorrência de cancro em pessoas com maior exposição, nomeadamente os agricultores. Com 54.251 participantes, o maior do género de todos os tempos, não conseguiu estabelecer nenhuma relação entre a incidência de cancro e o uso de glifosato nos agricultores:
“Neste grande estudo de coorte prospectivo, nenhuma associação foi aparente entre o glifosato e quaisquer tumores sólidos malignos ou linfóides em geral, incluindo linfoma não-Hodgkin (NHL) e os seus subtipos”.
Vertente económica…a Monsanto não é nenhum gigante industrial
Toda a gente acha que a Monsanto é uma empresa cheia de dinheiro para corromper tudo e todos os cientistas à face da Terra. Na verdade, os seus lucros aproximam-se dos lucros da Toy´R´Us (dados de 2013 e o valor não varia muito relativamente aos outros anos, por volta dos 13 a 15 bn de dólares)…
Mais giro é perceber que a Whole Foods, cadeia de venda de produtos biológicos, tem uma faturação superior à Monsanto (dados de 2017). Alimentação biológica que é uma farsa sobre a qual já falei extensamente nestes dois artigos (1,2).
Outro mito que precisa de acabar é a questão do RoundUp e todo o dinheiro que a Monsanto faz à custa disso. Na verdade, o RoundUp já perdeu a patente e qualquer indústria química pode produzir e comercializar o glifosato a preços competitivos. Só para terem noção:
“O glifosato é comercializado nos Estados Unidos e no mundo por muitas empresas agroquímicas, em diferentes concentrações de soluções e com vários adjuvantes, sob dezenas de nomes comerciais. A partir de 2010, mais de 750 produtos com glifosato estavam no mercado. Em 2012, em termos de volume, cerca de metade do consumo global total de glifosato foi para culturas agrícolas; o setor florestal é outro mercado importante. A Ásia e o Pacífico foram o maior mercado regional de crescimento mais rápido. Os fabricantes chineses são coletivamente os maiores produtores mundiais de glifosato e seus precursores e representam cerca de 30% das exportações mundiais. Os principais fabricantes incluem Anhui Huaxing Chemical Industry Company, BASF, Bayer CropScience, Dow AgroSciences, DuPont, Jiangsu Good Harvest-Weien Agroquímica, Monsanto, Nantong Jiangshan Agroquímicos e Químicos, Nufarm Limited, SinoHarvest, Syngenta e Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group. Companhia.”
No entanto, o glifosato não deixa de ser importante para a Monsanto dado que vende sementes transgénicas resistentes ao glifosato. Apesar de isso também não ser exclusivo da Monsanto nem coisa que se pareça.
Não está convencido? Então deixe de comer maçãs…
Não haverá pesticida que tenha sido tão bem estudado como o glifosato. Como já falei neste artigo, o glifosato é dos pesticidas mais seguros de que dispomos. Acabar com o glifosato vai fazer com que alternativas piores surjam e os riscos para a saúde aumentem. Se não está convencido, então deixe de comer maçãs. As maçãs têm formaldeído, classificado com um carcinogénio grupo 1 pela IARC. Não só as maçãs, como uma porrada de frutos e vegetais. Ou então, deixe de beber álcool, também um carcinogénio do grupo 1. Ou mais ridículo, deixe de beber bebidas quentes, já que são carcinogénios do mesmo grupo do glifosato, segundo a IARC. Já percebeu o ridículo ou continuamos?
Conclusão
Depois de 40 anos de investigação, a ciência está relativamente bem estabelecida. O glifosato, nas doses a que estamos expostos, é um herbicida seguro. Para isto não ser verdade, a Monsanto teria que corromper os investigadores de mais de 800 estudos científicos e comprar todos os investigadores que fizeram os relatórios de avaliação de risco. Algo que não é possível ser realizado por nenhuma indústria no mundo inteiro, muito menos durante 40 anos.
O relatório da IARC é um “outlier“, na melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses, é um relatório instrumentalizado por ativistas sem escrúpulos.
Os tribunais ou a política não validam a ciência. Infelizmente há muitas decisões realizadas contra a ciência mais do que estabelecida. E para perceber a distopia em que vivemos, este tweet resume o que é ter dois dedos de testa neste mundo de irracionalidade:
Traduzindo:
No último ano, os tribunais decretaram que:
- O Round-Up causa cancro
- O pó de talco causa cancro
- Wi-Fi causa cancro
- Vacinas causam síndrome de morte súbita infantil
Todas as quais estão erradas, indo contra os dados científicos existentes. A lei é uma besta – especialmente no que diz respeito à ciência.
E para terminar, aconselho vivamente a leitura deste artigo, que aborda a temática dos linfomas não-Hodgkin e glifosato de uma forma simples e compreensível.
Fonte: Scimed