Onde estamos
Tendo sido publicadas as Estatísticas Agrícolas do INE 2020, não deixa de ser relevante olhar para os números e tendências e perspetivar o futuro, com confiança e a certeza de que o setor agroalimentar mostrou uma resiliência notável em 2020, agora confirmada pelos dados oficiais.
Ao nível do comércio externo, num ano de fortes limitações decorrentes da pandemia, as exportações de produtos agrícolas e agroalimentares aumentaram 5,8% face ao ano anterior (redução de 10,2% nas exportações globais de bens) com as importações a diminuírem 1,8%, o que se traduziu numa melhoria do saldo da balança comercial, com uma redução do déficit em cerca de 430 milhões de €. Estiveram particularmente em alta as exportações de animais vivos e de carne de porco, com um contributo inestimável para os resultados positivos. Na alimentação animal merece igualmente referência o incremento de 25% em valor na exportação de alimentos para animais, na ordem dos 94 milhões de €.
Por outro lado, em termos de indicadores ambientais, os destaques são igualmente favoráveis, com reduções na utilização de fertilizantes e de pesticidas e até superiores à média europeia, o que não deixa de ser um bom prenúncio para a capacidade de adaptação do Setor aos desafios de 2030. Nas emissões, enquanto a média da União Europeia diminuiu 24% face a 1990, Portugal aumentou 12,6%não atribuíveis à agricultura, caso em que o nosso país contribuiu com 10,1% e a UE com 10,3%.
Um facto igualmente importante ao nível da agroindústria é o de que a ´denominada “indústria pecuária” (carnes, leite e alimentação animal) representa 45% do volume de negócios do agroalimentar, na ordem dos 6 mil milhões de €, tendo sido impulsionado pela indústria das carnes.
No entanto, como seria de esperar, as restrições impostas ao canal HORECA e a ausência de turistas teve impacto negativo no consumo de carnes, cuja capitação global passou de 119,9 kg em 2019 para 115,0 kg/hab/ano em 2020, mostrando uma resistência relativa da carne de bovino, com a suinicultura a ser a mais afetada e a carne dos animais de capoeira a ultrapassar, pela primeira vez, o consumo de carne de suíno.
Para onde vamos
A generalidade dos estudos prospetivos no horizonte 2030 mostram que na União Europeia iremos assistir a uma tendência de redução do consumo dos produtos de origem animal, consequência do impacto, sobretudo nos jovens, de estudos, uns mais fidedignos que outros, acerca dos efeitos negativos da atividade pecuária no planeta, no bem-estar animal, na desflorestação, ou na utilização de antibióticos.
Teremos, no entanto, um mercado mundial que tenderá a crescer e a consumir cada vez mais estes produtos, o que significa que há que garantir e reforçar as exportações, mantendo-nos competitivos.
A alimentação animal tem estado particularmente atenta a estes desafios societais e à redução das emissões de GEE, e tem mantido uma atitude proativa ao nível das preocupações com a saúde e bem-estar animal, procurando fontes de aprovisionamento sustentáveis (caso da soja), persistindo na economia circular – que está, aliás, na nossa génese, uma vez que 30% de matérias-primas que usamos são coprodutos provenientes das indústrias agroalimentares e dos biocombustíveis – inovando na alimentação de precisão e, assim diminuindo consecutivamente os níveis de fósforo e de azoto nos solos, e melhorando continuamente os índices de conversão, em cerca de 20% nos últimos 20 anos, o que representa ganhos relevantes na eficiência produtiva.
Face aos desafios que temos pela frente, nomeadamente por via das Agendas Mobilizadoras no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência, é importante valorizar e diferenciar as nossas produções animais, as certificações de bem-estar animal, reforçar a bioeconomia circular, apostar na tecnologia e na inovação, na biossegurança das explorações e na gestão dos efluentes pecuários, tendo em vista os grandes objetivos do Pacto Ecológico Europeu.
A pandemia não só alterou hábitos de consumo, como reforçou nos consumidores uma consciência mais ecológica, a que se juntam os efeitos da digitalização e das alterações na mobilidade, pelo que temos de estar atentos aos diferentes perfis e exigências dos mercados.
Enquanto Fileira, nunca como hoje precisamos tanto de união e comunicar pela positiva, com os consumidores, decisores políticos e opinião pública. Acima de tudo, temos que comunicar com base em evidências científicas, com metas e monitorização de resultados.
Da parte das políticas públicas – seja a PAC, os ecoregimes, o Programa de Desenvolvimento Rural, a implementação da Diretiva sobre as Energias Renováveis, ou a execução do PRR – espera-se que aconteçam em boa articulação entre Agricultura e Ambiente, e que medidas coerentes promovam o esforço que as empresas têm vindo a fazer nos últimos anos. Desta forma teremos um Portugal mais competitivo e sustentável no horizonte 2030.
Ganha aqui particular importância a posição de Portugal perante a adoção de novas tecnologias, como as Novas Técnicas Genómicas, uma vez que precisamos destas ferramentas para mitigar a perda de fitofármacos (substâncias ativas), que, potencialmente, reduz produtividade em muitas culturas ou provoca disrupção na importação de matérias-primas para a alimentação animal, caso não exista a aprovação desta tecnologia por parte da União Europeia.
Na antecipação da Cimeira sobre Sistemas de Alimentação Sustentáveis que vai ter lugar em setembro, na Organização das Nações Unidas (ONU), é importante reafirmar que sem atividade pecuária e sem produção animal – pela utilização dos recursos, pela valorização dos solos e pelo equilíbrio que promove no território, para além da importância dos produtos de origem animal numa dieta humana equilibrada – não é possível falarmos em sistemas alimentares sustentáveis.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em IACA.