Na sequência das greves dos trabalhadores das Administrações Portuárias e da SILOPOR, – a primeira interrompida pela saída do ex-ministro Pedro Nuno Santos e para que o atual ministro João Galamba pudesse analisar o que estava em causa, e a segunda interrompida mais ou menos pelas mesmas razões, mas também devido a um Despacho da então Secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis – escrevemos em fevereiro, neste mesmo espaço, duas reflexões que, aparentemente, não foram levadas a sério.
Talvez tenham mesmo sido ignoradas.
Pelo menos pelos decisores políticos, ou por quem tem de responder pelas Infraestruturas e por quem tutela a SILOPOR.
Para os que trabalham no setor agroalimentar e têm a responsabilidade de alimentar Portugal, humanos e animais, desde o pão à carne, leite e ovos, é fácil perceber que num País que importa cerca de 80% das matérias-primas de que necessita, o dossiê das infraestruturas, com destaque para os portos e operações portuárias, não tem sido encarado com a seriedade (e dignidade) que merecia, o que se nos afigura como altamente preocupante.
Este dossiê é fundamental nas importações e é igualmente vital para as exportações, essas, sim, a serem relevadas (e bem) como um dos excelentes indicadores da conjuntura económicas, mas que podem ser amplificadas se o Governo, no seu todo, olhar para estas estruturas como críticas e de sucesso.
“Empurrar com a barriga”, não nos parece ser o melhor caminho, sobretudo neste contexto de dificuldades, pese embora os dados recentes sobre o crescimento do PIB.
Sim, porque o turismo e as exportações têm contribuído, e muito, para o bom desempenho da economia e os turistas têm de ter produtos à sua disposição para consumirem (de preferência de origem nacional) e as exportações transportam, não só os nossos produtos de excelência que produzimos, mas também os valores que partilhamos, a nossa história e identidade.
E, já agora, é preciso exportar não só para o equilíbrio do mercado, sobretudo numa conjuntura de redução da procura, mas sobretudo porque a dimensão do mercado interno é, de facto, muito reduzida.
Em 3 de fevereiro, qual grito de alerta, refletimos e partilhámos a reflexão: “As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio”, mas são.
Um pouco mais tarde, noutras Notas da Semana, em 17 de fevereiro, numa altura em que os trabalhadores da SILOPOR suspenderam uma greve que poderia ter conduzido a ruturas de matérias-primas, com os barcos a aguardar descarga em pleno Tejo, situação ainda mais caricata, interrogámo-nos “E daqui a 30 dias?”.
Sob ameaças de greve, depois de a Administração ter sido mandatada para as negociações, lá se chegou a um acordo com os trabalhadores.
Não que, sem antes, tivéssemos tomado posições junto do Governo e nos media.
Toda a situação é demasiado frágil; as consequências, demasiado penalizadoras para as empresas, para o País, empurrando-nos para custos acrescidos, retirando-nos competitividade, sustentabilidade e acrescentando-nos frustração e desmotivação enquanto “lutamos contra ventos e marés”, como se o dossiê não fosse da maior importância, independentemente de quem o tutela, seja o Ministério da Agricultura ou o Ministério das Finanças. O Setor é “tutelado” pelo Governo, as consequências impactam as cadeias de abastecimento, a inflação, o custo de vida, a população…e só pedimos, desde sempre, que as Finanças se entendam com a Agricultura e Alimentação, Infraestruturas e Economia. Reúnam com os diferentes atores da Fileira. Também aqui é bem-vindo o tal papel de coordenação do Primeiro-Ministro. Estará ele devidamente informado?
Além dele, onde estão os diferentes partidos políticos, nomeadamente os que têm assento na Assembleia da República? Como olham para o problema, central, do funcionamento das cadeias de abastecimento? Conhecem os portos nacionais, as capacidades de armazenagem, a interligação entre eles, as necessidades de investimento, os stocks estratégicos, o que está verdadeiramente em causa?
Não conheço um pensamento, uma posição, um rasgo sobre o tema.
Dois anos de pandemia, um de Guerra e condições de seca extrema não foram, infelizmente, suficientes para incorporar os temas da soberania alimentar, da Alimentação e do Mundo Rural no topo da agenda política e mediática.
Aqui chegados, eis que nos confrontamos com um novo pré-aviso de greve, desta vez dos trabalhadores das Administrações portuárias, para o período de 25 de maio a 30 de junho, alargado a todos os Portos.
Tudo isto acontece numa altura em que os silos da SILOPOR estão no limite da sua capacidade de stockagem, existem navios a aguardar dias a fio e temos matérias-primas que escasseiam, caso do bagaço de palmiste ou a colza, enquanto outras, como o trigo e a cevada, são desviadas de Lisboa para outros portos, como Setúbal ou Aveiro, com os consequentes agravamentos de custos nos transportes e uma penalização acrescida, sobretudo, para as unidades do sul do país.
São custos que oneram o processo de fabrico, que não podem ser repassados para o produtor pecuário na sua totalidade, mas que inevitavelmente criam pressão nos preços ao consumidor, sendo um travão claro à redução da inflação e à melhoria do poder de compra da população.
Mais dificuldades a acrescentar às que já existem! Também por isso a melhoria da economia não está a ser sentida pela generalidade dos portugueses.
Teria sido suficiente um investimento no aumento da capacidade de armazenagem da SILOPOR, para mais 30 000 toneladas – já não falamos da modernização e substituição de equipamentos que começam a avariar ou a deteriorar-se – para que parte do problema fosse mitigado.
Apesar dos sucessivos apelos, aqui fica mais um. Será que é desta vez?
Esta situação, que se arrasta incompreensivelmente, é desmotivadora do investimento na produção agropecuária e a ela junta-se a seca. Muitos agricultores podem desistir da atividade, vender animais (carne e leite) e sabemos como é difícil, senão impossível, recrutar empresários para estas áreas difíceis e diabolizadas por boa parte da população.
O Mundo Rural fica mais pobre. Todos ficamos mais pobres.
A renegociação do Acordo do Mar Negro está complicada por ameaças de bloqueio da Rússia, um eventual acordo de negociação das exportações de produtos provenientes da Ucrânia (duplo zero) é criticado sobretudo pelos 5 países vizinhos deste país invadido e a União Europeia precisa de estar coesa na defesa do Mercado Único, no fluxo das importações e no apoio à Ucrânia.
Quaisquer perturbações a nível internacional têm reflexos em Portugal e criam ainda maior incerteza, instabilidade e volatilidade. Por isso esta ameaça de greve pode ser dramática, sobretudo se os serviços mínimos de descarga dos granéis alimentares não forem assegurados.
Deixamos aqui (mais) um repto, a todas as partes interessadas, para que esta greve seja evitada.
Se tal não acontecer, no contexto atual dos portos e da disponibilidade de armazenagem, com a total imprevisibilidade nas estadias dos navios, muitos fornecedores irão equacionar se valerá a pena continuar no mercado português, pelos custos (e riscos) envolvidos.
Esta é a questão de fundo e o problema central.
Não perceber esta realidade é caminhar numa outra, paralela, de uma qualquer dimensão que não a de Portugal.
E talvez, se faltarem alimentos, acordemos para uma outra realidade.
Ainda vamos a tempo de interiorizar que a SILOPOR e as infraestruturas portuárias são estratégicas no desenvolvimento sustentável do nosso País.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra