Jorge Henriques critica falta de rumo nas políticas públicas e traça desafios do agroalimentar. E vinca: “A política que este governo definiu para a indústria, que é nenhuma, não pode deixar-nos satisfeitos.”
Uma revisão das tabelas de IVA é “fundamental”, assim como a criação de escala e marcas que nos permitam competir melhor e aumentar as exportações, defende Jorge Henriques. Em vésperas da sexta Conferência para a Competitividade, em que a Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) vai debater os desafios e oportunidades do setor (dia 16, no CCB), o presidente da FIPA explica ao Dinheiro Vivo quais são os maiores constrangimentos da indústria e para o país. E lamenta a “patetice” e ideologia que levam a criar taxas especiais de consumo e barreiras que dificultam um caminho de transformação em que o setor tem liderado.
A FIPA defendeu que o setor agroalimentar é absolutamente estratégico para o país e por isso o governo devia reforçar a tutela. Criou-se o Ministério da Agricultura e Alimentação, mas tutela não se reforçou… como vê a atuação da ministra da Agricultura?
Nós entendemos que, mais do que as pessoas, as políticas é que são cruciais, e defendemos há muito a necessidade de um Ministério que agregue a indústria alimentar, pela sua especificidade e importância estratégica. Pugnámos pela necessidade de a tutela agregar a indústria para que o setor pudesse ter acompanhamento e estar na agenda política, para ganhar agilidade num setor que, a nível mundial, é uma gota de água a competir com grandes players, mas uma porta de saída para o mundo.
E é reconhecido na Agricultura?
Nós temos uma tutela múltipla – da Agricultura e Ambiente, mas também da Economia e até da Saúde. Mas a expectativa criada não está consolidada. Temos trabalhado com o MA, como sempre fizemos, mas estamos longe do que foi a ambição que a FIPA desenhou, não para ter uma bengala, mas para ter políticas de quem entenda o setor e consiga que a competitividade necessária neste mercado alargado possa efetivar-se com mais vigor. Isto não tem acontecido. A política que este governo definiu para a indústria, que é nenhuma, não pode deixar-nos satisfeitos. É preciso estabelecer um desígnio que tem de passar por fortalecer um setor como este, que tem uma ambição enorme – seja em termos de inovação seja de toda a cadeia de valor e da necessidade de incorporar as transformações que vivemos sobretudo na Europa. Em resumo, continuamos a trabalhar com honestidade mas há uma enorme preocupação no setor por ausência de uma estratégia clara deste governo para a indústria agroalimentar.
Os apoios ainda da covid e depois para a inflação têm chegado em volume e tempo útil?
Nós temos vindo de crise em crise e tem havido uma conjugação de problemas desde 2011, com a troika e a pressão que trouxe ao mercado, devido à crise das dívidas soberanas e seu impacto em setores mais expostos sobretudo ao turismo e canal HORECA. E quando se via a luz ao fundo do túnel, veio a pandemia, com enorme impacto em toda a economia, na indústria alimentar e sobretudo nas atividades fora do lar, com o encerramento de todo o canal HORECA e dos espetáculos, da atividade noturna, etc. Isso foi terrível para alguns setores, como as bebidas, com consequências que obrigaram a enorme resiliência. Nessa altura, criou-se na Economia e na Agricultura um grupo de acompanhamento na cadeia de abastecimento para olhar os impactos e discutir condicionamentos impostos à indústria, nomeadamente nas questões da produção e necessidades de importação. Ainda não refeitos da covid, veio a guerra e experimentámos uma situação que já vinha de trás, de setembro de 2021, de disrupção nas cadeias de abastecimento, aumento de preços das matérias-primas nomeadamente as que não produzimos em Portugal, como os cereais, e que se agravou com a invasão da Ucrânia. Estamos a viver com uma inflação galopante que teve efeitos profundos no aprovisionamento dos setores. Já em 2022, propus num novo grupo de acompanhamento para os efeitos da guerra no abastecimento de matérias-primas, a criação de uma linha de apoio à tesouraria das empresas da indústria agroalimentar – que se justificava, porque o esforço de aprovisionamento, de ir a novos mercados e com a tesouraria das empresas pós-covid, era preciso. A pressão para que o setor não parasse e não houvesse interrupções de produtos era enorme e isso conseguiu-se, trabalhámos sempre. Era absolutamente justo e necessário para um tecido empresarial de micro e PME (90%). Mas a linha criada, de 400 milhões e reforçada depois para 500 milhões, foi para toda a indústria transformadora. Nós não trabalhamos para envelopes, o setor sempre teve de se adaptar às condições que existem, mas com exceção dos layoffs em pandemia – que foram uma ajuda para algumas empresas que viram a produção parada – não podemos falar de ajudas prometidas que não chegaram, porque nada foi prometido e nada chegou.
Mas pode-se continuar a avançar sem ajuda?
O desígnio da indústria alimentar é crescer e manter o processo de inovação que é fundamental e tem de ser feito com investimento. É preciso atrair investimento, nomeadamente estrangeiro, para que o setor possa continuar a crescer, inovar e criar dimensão. Portugal tem baixa dimensão nas suas empresas e tem de criar escala ou não conseguirá enfrentar os mercados internacionais – a exportação e promoção externa do setor. Os recursos que o país tem são escassos e têm de ser bem aplicados, direcionados, e os objetivos traçados têm de ter […]