É muito frequente darmo-nos conta da complexidade dos problemas apenas quando lidamos com eles. Em Portugal ou no quadro da União Europeia, deparamo-nos com situações caricatas, incompreensíveis e que tardam em ser resolvidas. E aqui chegados, com anos de cansaço acumulado, num contexto em que os responsáveis, sejam ou não decisores políticos, são cada vez mais escrutinados, as mudanças são não só necessárias, como têm de ser rápidas, urgentes e compreendidas por todos os cidadãos, sobretudo os que mais sofrem, os desfavorecidos, ou os que mais precisam num determinado momento.
A gestão de crises, ligada diretamente ao drama dos fogos florestais, é, infelizmente, um bom exemplo de que temos de atuar, sem perder tempo, se necessário, alterando a legislação. Já ninguém perdoa se as soluções ou as propostas caírem no esquecimento, até ao flagelo seguinte.
O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, garantiu esta segunda-feira, em Bruxelas, que Portugal vai pedir toda a ajuda possível para os agricultores afetados pelos recentes incêndios, estando a ser feita a avaliação no terreno de todos os prejuízos. É evidente que a alimentação animal é uma questão essencial e também é responsabilidade da IACA, em articulação com as entidades oficiais, através do IACA Solidária, contribuir para mitigar os impactos e ajudar os produtores pecuários a manterem os seus efetivos, para muitos os únicos ativos que ainda possuem.
Durante o Conselho AGRIFISH (Agricultura e Pescas), o ministro português criticou (e bem) a Comissão Europeia, sobre a falta de resposta rápida nos apoios aos agricultores vítimas de eventos climáticos extremos, como foram os incêndios da semana passada em Portugal. De facto, é inadmissível, por exemplo, que não sejam disponibilizados rapidamente apoios urgentes para a compra de rações para animais, à luz das necessidades mais imediatas. O ministro defendeu concretamente que o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), o principal instrumento de financiamento da política de desenvolvimento rural da União Europeia, “possa ter uma percentagem para emergências, para permitir, por exemplo, que se pudesse comprar rações para animais e isso, neste momento, não é possível”.
Não é admissível que as situações de calamidade não prevejam esse tipo de medidas ou que, quando estas são possíveis, nos atirem para uma teia burocrática, criando ainda mais desespero e desconfiança nas populações.
Em Portugal, também nós fomos confrontados com a desilusão de não ter sido possível legitimar o projeto “IACA Solidária” nesta altura, institucionalizando-o, para que possa funcionar de forma coordenada, sem depender da boa vontade dos empresários e do habitual voluntarismo.
Temos um projeto preparado com a DGAV, com o apoio do Ministério da Agricultura, mas esbarrámos com o facto de as isenções do IVA e do IRC para as empresas terem de passar pela Assembleia da República, o que tornou inviável as ajudas como pretendíamos. Não vamos desistir de ajudar e tentaremos ultrapassar as limitações legislativas, porque a prioridade é fazer chegar os alimentos a quem deles mais precisa.
Veremos, entretanto, como vai ser possível ajudar no quadro das medidas aprovadas na quinta-feira pelo Conselho de Ministros.
Muito se fala em simplificação: não há nenhuma reforma da PAC que não tenha este objetivo – que me lembre, pelo menos, desde a reforma de 1992 e tudo indica que assim seja na reforma pós-2027. No entanto, é já em 2024 que temos de dar respostas concretas.
Convém relembrar que, a par de outros temas relevantes, como as práticas comerciais desleais, o necessário equilíbrio na cadeia de abastecimento, a valorização dos alimentos, ou a garantia de imposição aos produtos provenientes de países terceiros das mesmas normas ou equivalentes às que existem na União, (a propósito onde estão as “mirror clauses”, tão propagadas durante a presidência francesa de 2022?) esses foram os temas que conduziram às manifestações de agricultores este ano. E os agricultores poderão regressar às ruas de Bruxelas se, nos 100 dias que se seguirem à tomada de posse da futura Comissão, a visão do futuro Comissário Christophe Hansen – o relator do EUDR no Parlamento Europeu- sobre o futuro da Agricultura e as discussões que estão a decorrer no Diálogo Estratégico não corresponderem às expetativas criadas.
Também por isso, quando sabemos que as alterações climáticas nos confrontam com cenários extremos, as respostas às emergências são ainda mais relevantes. A Europa já dispõe de um mecanismo de resposta às crises (e futuramente um comissário para o efeito) no quadro do EFSCM, que tem de fazer mais e melhor, sobretudo em coordenação com os Estados-membros.
Por último, e sempre, o dossier do EUDR: tendo em conta os alinhamentos do Parlamento Europeu, em que os socialistas e os verdes querem a sua implementação e o PPE o adiamento e revisão, considerando-o como um “monstro burocrático”, a Presidente Von der Leyen terá solicitado um parecer jurídico para se sentir “confortável” numa eventual decisão de adiar a entrada em vigor da legislação. Existiram ainda, esta semana, rumores de que a OMC teria sido notificada pela Comissão, o que indiciava uma aplicação “soft” do regulamento, que não correspondem à verdade. Estamos, assim, perante um clima de incerteza e especulação, que não é aceitável. Entretanto, realiza-se a 14 de outubro o Conselho do Ambiente, mas aí, como já aqui referimos numas outras Notas, será demasiado tarde. Para já, temos mais um comunicado de imprensa conjunto, assinado por várias entidades impactadas pela futura legislação e que inclui, entre outras, a FEFAC e o COPA/COGECA.
Tal como noutros dossiers, assistimos a tentativas de criar uma abordagem ideológica: de um lado, os “bons”, defensores do clima e do ambiente; do outro lado, os “maus”, que são a favor da desflorestação. Nada de mais errado, como aqui temos escrito amplamente. Só queremos uma legislação aplicável, justa, transparente, controlável, que não promova a fraude e seja simples, compreensível por todos, sem os jarrões do “politicamente correto”. Que não comprometa a segurança alimentar e não crie disrupções nas cadeias de abastecimento. Talvez por etapas consigamos promover o combate à desflorestação e aplicar o conceito a nível global. Aí, sim, a Europa marcaria pontos.
No fundo, estamos perante a necessidade de mudanças, urgentes e necessárias.
Teremos o necessário bom senso?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
À agricultura, disse nada? – Jaime Piçarra – Notas da semana