A ausência de políticas públicas de ordenamento do território é a “maior vulnerabilidade” do país e os incêndios que afetaram o Norte e o Centro vão repetir-se se deputados e governantes adiarem a tomada de decisões, defende um especialista.
Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil explicou à Lusa que “a ausência de políticas públicas de ordenamento do território é a causa central” dos incêndios dos últimos dias e que são “os deputados da Assembleia da República e os governantes que têm na mão a possibilidade de alterar alguma coisa”.
“O território tem sido o parente pobre dos sucessivos projetos de governação”, assinalou.
Tal não se deve “a falta de conhecimento para incorporar nas decisões políticas”, mas ao facto de implicar “coragem, articulação de interesses, pensar mais no amanhã do que no hoje”, sustentou o especialista, que integrou a Comissão Técnica Independente que estudou os incêndios de 2017 na Assembleia da República e baseia a avaliação nos “estudos desenvolvidos”.
“Enquanto isto não for considerado como o problema dos problemas, vamos continuar a assistir ao que assistimos”, disse, referindo-se aos fogos que afetaram desde domingo os distritos de Aveiro, Porto, Vila Real, Braga, Viseu e Coimbra, deixando sete mortos, dezenas de casas destruídas e mais de 121 mil hectares de área ardida.
Para Duarte Caldeira, esta ausência de políticas públicas é “um pecado original dos 50 anos da democracia portuguesa” e a “causa de muitos dos problemas do país, não apenas ao nível do risco, mas também do povoamento territorial e do desenvolvimento social do país como um todo”.
Os incêndios florestais “vão continuar a existir”, avisou.
“Enquanto se mantiver a vulnerabilidade do território, o processo de recuperação é uma caricatura”, disse.
“Quem percorrer o Norte e Centro do país vê casas dispersas em zonas de natureza florestal, muitas rodeadas de combustível florestal, sem acessos, sem possibilidade de movimentação de meios em caso de incêndio. A par disso, há o despovoamento de muitas partes do país, que continua a ser matéria de retórica”, alertou.
Questionado sobre evoluções após os incêndios de 2017, o perito disse que, na área da prevenção “houve alguns avanços em alguns municípios, nomeadamente na sensibilização da população e numa boa fiscalização e gestão de combustível”.
“Mas, existe uma esmagadora maioria de municípios onde o risco de incêndio é grande”, disse, apontando o dedo “a casas envolvidas por vegetação e mato” e “ausência de trabalho” em estradas “concessionadas e nacionais”.
Também na área do cadastro de propriedades é preciso continuar a atuar, nomeadamente “equacionando modelos de expropriação por interesse público” para limpar terrenos quando os privados não o fazem.
“Não pode continuar a prevalecer o direito de propriedade de quem não cumpre os seus deveres. E não há nenhum pagamento de multa que possa anular o dever de os proprietários eliminarem o combustível” para os fogos, defendeu.
Na área da resposta aos incêndios “avançou-se significativamente” na retirada, “em tempo útil, da população de zonas em de perigo”, designadamente fruto de “uma evolução muito significativa da atuação das autarquias”.
Registou-se igualmente evolução na formação dos bombeiros e na coordenação durante o combate.
“Se não tivéssemos evoluído nada, haveria nestes incêndios muito mais mortos e não teria sido possível resolvê-los neste intervalo de tempo. A duração média dos incêndios era de 15 dias”, observou.
Menos positivo é que, após os incêndios de 2017, o projeto “Aldeia Segura” tenha ficado “aquém do necessário”.
“Por falta de investimento, desde 2023 este programa entupiu no seu desenvolvimento”, afirmou.