O professor e especialista em fogos florestais Paulo Fernandes diz serem muito diferentes os incêndios da semana passada em relação aos de 2017, nos quais morreram mais de 100 pessoas, e compara-os antes ao que aconteceu em 2016.
“Vejo este ano um pouco como a repetição de 2016, muito parecido na localização das áreas ardidas, na meteorologia, com um início de ano húmido”, afirma o responsável em entrevista à Lusa, recordando o “ano mau” de 2016, com 160 mil hectares ardidos.
No ano seguinte, em 2017, arderam 540 mil hectares em incêndios violentos, como os que assolaram na semana passada vastas zonas no norte e centro do continente. Mas as semelhanças, considera, ficam por aí.
É que, afirma, a “explosão de área ardida em poucos dias” também tinha acontecido em 2017, ou em 2003, mas o tipo de fogos é diferente.
E explica: Os incêndios de agora foram incêndios de vento, de leste e muito seco, com temperaturas acima da média, depois de muito tempo sem chuva, e os de 2017, de junho e alguns de outubro, aconteceram numa situação meteorológica diferente, influenciada por trovoada, com “fogos convectivos” em que as condições atmosféricas levaram à criação das “tempestades de fogo”.
Investigador na área florestal e professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Paulo Fernandes alerta para a tendência para incêndios violentos, que em pouco tempo consomem muita área, ao contrário do passado com mais incêndios mas mais pequenos também.
Primeiro porque as condições meteorológicas são cada vez mais severas e depois porque as barreiras à propagação do fogo são cada vez menos, especialmente devido ao abandono dos campos e da agricultura familiar, que “ia fazendo a compartimentação dos espaços florestais”, e depois ainda porque não é “muito eficaz o combate aos incêndios”.
Entende-se nas palavras do especialista que atualmente os incêndios em condições meteorológicas fáceis são facilmente suprimidos porque há meios de combate como nunca antes. E tem havido “anos bons, com área ardida muito baixa”. Mas não se pode descurar um certo “efeito positivo” dos fogos, que estão a remover biomassa. “Se há menos fogos estamos a criar condições para fogos maiores no futuro”.
Licenciado em Engenharia Florestal, doutorado em Ciências Agrárias – Ciências Florestais pela UTAD, com trabalho científico nomeadamente no comportamento e ecologia dos fogos florestais, e (co) autor de mais de uma centena de artigos científicos, Paulo Fernandes é uma das maiores autoridades em termos de incêndios. Na entrevista à Lusa explica que a área ardida fica como que salva de incêndios por cinco anos, dependendo do tipo de vegetação, e que o máximo de perigo atinge-se por volta dos 15 anos, quando é atingido o pico de biomassa.
E vê vantagens no fogo controlado, que é praticado em Portugal no outono e na primavera mas numa escala muito pequena (dois a três mil hectares por ano). “Era preciso áreas maiores e em locais estratégicos. Porque os grandes incêndios ou não encontram áreas tratadas ou são tão pequenas que têm pouco efeito”.
E depois, “é muito raro haver meios de combate, bombeiros, a aproveitar essas oportunidades” (de áreas tratadas). “Há faixas de gestão de combustível, há oportunidades de controlar os incêndios, mas na prática o que vemos, especialmente nestes dias tão maus, é que 95% dos bombeiros estão a proteger casas, aldeias, infraestruturas… a nossa força de combate para enfrentar fogos nos espaços florestais é muito reduzida. E isto cria um efeito bola de neve, porque se os incêndios se propagam livremente no espaço florestal e provável que encontrem cada vez mais povoações no caminho e isso vai agravando mais a situação”, diz.
As queimadas fazem parte da realidade portuguesa, lembra o especialista, admitindo que parte dos incêndios da semana passada se tenha devido a queimadas dos pastores, que as não fizeram no inverno porque choveu muito.
Entende Paulo Fernandes que mudar a paisagem não passa de uma ideia “romântica e irrealista” e que é preciso sim tentar geri-la de formas práticas, com fogo controlado, com pastoreio, com gestão florestal. “Se conseguíssemos aumentar a gestão, se não tivéssemos tanta floresta abandonada…”.
E dá mais à frente o exemplo dos eucaliptos, cortados ao fim de 12 anos e que depois renascem, altura em que têm de ser trabalhados mas na verdade são quase sempre abandonados, criando uma floresta densa. “Há milhares de hectares nessa situação”, diz, ainda que sem diabolizar o eucalipto.
O que é preciso também, resume, é controlar incêndios em meio florestal, evitar fogos em dias com meteorologia difícil, educar, sensibilizar, dissuadir, patrulhar, aumentar a prontidão nesses dias, valorizar os avisos. “Os meios aéreos que vieram de fora podiam e deviam ter sido pedidos mais cedo”, porque são meios que resultam no início dos fogos, não tanto depois, quando a água apenas diminui momentaneamente as chamas.
“No fundo é muito isso, a capacidade de antecipação, as oportunidades de combate devem ser percebidas antes. O conhecimento todo que existe infelizmente é pouco aplicado”, diz.
Nove pessoas morreram e 175 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram na semana passada sobretudo as regiões Norte e Centro do país. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil exclui desta contagem os dois civis que morreram de doença súbita.
Estes incêndios provocaram 135 mil hectares de área ardida, segundo o sistema europeu Copernicus e destruíram dezenas de casas.