O Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior (CBPBI) tem-se centrado muito na valorização dos recursos endógenos para a sua utilização na gastronomia, cosmética e farmacêutica. Através de parcerias estabelecidas com entidades e empresas, o CBPBI utiliza esses compostos em produtos comercializáveis, mas ainda em fase de aprovação para serem lançados no mercado. O investigador José Carlos Gonçalves, diretor científico, fala dos projetos que estão a ser desenvolvidos neste sentido.
Entrevista: Margarida Paredes / CiB
Fotografia e vídeo: Orlando Almeida
A biotecnologia é hoje uma área multidisciplinar que abrange variados âmbitos do conhecimento. Em relação à biotecnologia vegetal, o que é que está a ser feito? Que utilização e valorização se está a fazer das plantas ao nível da cosmética, da farmacêutica, da indústria alimentar…?
Cada vez mais a biotecnologia se tem revelado como uma área do conhecimento capaz de dar resposta a muitos dos desafios que o homem, na procura de soluções para melhorar a sua qualidade de vida, tem vindo a enfrentar e a tentar resolver. Com aplicações tão vastas, a área da biotecnologia vegetal tem vindo progressivamente a trazer novo conhecimento capaz de gerar valor e acima de tudo a promover a oferta de novos serviços, processos e produtos de grande utilidade no nosso dia-a-dia. Nos casos que refere, a identificação e caracterização de novas substâncias que as plantas produzem nas suas vias metabólicas secundárias têm vindo a ter uma cada vez maior importância. Em termos de valor económico, de 2019 a 2025, estima-se que o mercado de extração de compostos tenha um acréscimo de 16,5% na Taxa de Crescimento Anual Composta (CAGR), passando de USD 23,7 MM para USD 59,4 MM (Fonte: Market Research.com). Cada vez mais, no segmento da fitomedicina, os extratos de plantas medicinais apresentam efeitos fisiológicos significativos sobre o corpo humano, quer atuem como antioxidantes, imitem hormonas, estimulem enzimas, interfiram com a replicação do ADN, destruam bactérias nocivas, ou possam controlar o aparecimento do cancro e das doenças cardíacas. Na indústria cosmética e alimentar, a procura de novas substâncias naturais que possam substituir muitos dos ingredientes sintéticos que são utilizados tem vindo a ser cada vez mais exigida pelos consumidores e a substituição de substâncias com efeito conservante e antioxidantes é um desses exemplos. Também na inovação gastronómica, a utilização de óleos essenciais tem sido uma tendência de consumo evidenciada pelas novas gerações de consumidores. A este propósito permito-me referenciar um livro recentemente publicado pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco, em colaboração com o Centro de Biotecnologia de Plantas, “Geoaromas, Inovação Gastronómica: Os óleos Essenciais na Culinária da Beira Baixa, Terras de Excelência”, onde é possível apreciar a utilização destas substâncias como ingredientes diferenciadores no paladar de pratos bem característicos da nossa cozinha regional.
O Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior (CBPBI) pretende dar resposta às necessidades de empresas locais, regionais e nacionais sob o ponto de vista da utilização/valorização de plantas. Estamos a falar de que necessidades? E estamos a falar de que material vegetal?
Este é também um dos objetivos do CBPBI, prestar apoio técnico científico e laboratorial a empresas da região, mas também a nível nacional. Em geral, as empresas na área das plantas aromáticas e medicinais já estabelecidas na região são empresas de pequena dimensão, muitas vezes apenas com estrutura familiar e que baseiam a sua atividade no processo produtivo. Todas as questões relacionadas com a avaliação de qualidade das plantas, análises físico-químicas do material vegetal, entre outras, que exigem equipamento laboratorial de elevado custo, não está ao alcance destas pequenas unidades de produção. É aí que o CBPBI disponibiliza todas as suas infraestruturas para prestar esses serviços, entre as quais podemos referir análises da composição elementar de matéria vegetal, perfis bioquímicos de óleos essenciais e hidrolatos por cromatografia gasosa e espetroscopia de massa, identificação de compostos químicos por espetroscopia de infravermelhos, entre outras técnicas analíticas. Também na área da multiplicação dispomos de um laboratório de multiplicação de plantas por sistemas in vitro, que permite a obtenção de plantas por processos com elevadas taxas de multiplicação e de garantia fitossanitária. Uma outra área é a da biologia molecular, para a qual dispomos de tecnologia para extração e análise de ADN.
Os nossos recursos endógenos, nomeadamente material vegetal, são suficientemente ricos para potenciar a sua valorização e utilização? Pode exemplificar?
Sem dúvida. A nossa atividade tem-se centrado muito na valorização dos recursos endógenos para a sua aplicação e utilização nas diferentes áreas, tais como, a gastronomia, a cosmética e a farmacêutica. Daí as parcerias que temos estabelecido com entidades e empresas para a utilização desses compostos em produtos comercializáveis. Refiro, de seguida, dois exemplos. O primeiro, na área alimentar, é um projeto para desenvolvimento de um novo produto processado, conjugando três produtos naturais endógenos da região – cereja do fundão confitada com mel de urze e extrato de carqueja, caracterizando a composição e a qualidade da fruta fresca, comparando o teor e tipo de compostos fenólicos da cereja fresca e confitada, avaliando o potencial biológico dos seus extratos, os efeitos benéficos resultantes de uma dieta rica em cereja a nível da saúde humana, através de diversos ensaios in vitro e in vivo. O segundo exemplo, na área da cosmética/medicina, é o projeto “InovEP – Inovação com extratos de plantas: na senda de produtos farmacêuticos disruptivos e de base tecnológica”. Com este projeto pretendeu-se avaliar e validar os dados referentes a um conjunto de plantas selecionadas no que diz respeito às bioatividades definidas como fundamentais para o desenvolvimento de novos produtos inovadores, entre eles, o desenvolvimento de dois produtos farmacêuticos inovadores: um para o alívio da dor da vulva – vulvodínia – e outro para a cicatrização de fissuras dérmicas, sendo que esta componente foi desenvolvida por uma empresa farmacêutica da região.
Esses produtos já se encontram no mercado nacional?
Os casos concretos que referi estão em fase de aprovação para o mercado, embora esta seja uma área em que muitas outras entidades têm desenvolvido trabalho para utilização e valorização de compostos vegetais.
O CBPBI é uma espécie de incubadora de empresas de base biotecnológica. Acolhe start-ups com ideias de negócio na área da biotecnologia vegetal e, nesta perspetiva, é pioneiro no interior do país. Em que consiste o apoio prestado às starts-ups? Quantas empresas já tem neste momento a operar?
De facto, o CBPBI disponibiliza as suas infraestruturas para permitir a incubação/desenvolvimento de ideias de negócio, nas áreas em que desenvolve a sua atividade, uma vez que os custos de investimento inicial em instalações e equipamentos são muito elevados. O processo de aceitação é analisado caso a caso também de acordo com a natureza do trabalho a desenvolver, desde a simples implementação de uma ideia de negócio até à incubação física para desenvolvimento de um processo ou produto. Consoante os casos é estabelecido um protocolo entre as entidades que permite definir as condições, tais como, utilização dos espaços e equipamentos, apoio e aconselhamento técnico e eventuais custos. A nossa função termina após a possibilidade de autonomia da empresa. Como exemplo, posso referir a incubação de uma empresa na área da multiplicação de plantas que esteve connosco durante três anos, após o que criou a suas próprias instalações e se sediou em Coimbra; também na área dos produtos alimentares (ervas aromáticas e condimentos) tivemos a criação e desenvolvimento de uma empresa que está neste momento já no mercado.
Quais são os projetos de investigação atualmente em desenvolvimento no CBPBI? Por exemplo, ao nível da clonagem de espécies vegetais.
As três principais áreas de atuação do Centro são a multiplicação de plantas por sistemas in vitro, a área da fitoquímica e a área da biologia molecular. Felizmente têm sido bastantes os projetos em que temos estado envolvidos, ou como entidade participante ou colaboradora. Atualmente, na área da multiplicação de plantas, onde se insere a clonagem de plantas, estamos no projeto “F4F (Forest For Future) – Projeto piloto para a constituição de uma rede regional para a valorização da fileira da floresta da Região Centro”, no qual, em colaboração com outras instituições, estamos a desenvolver estudos relacionados com a multiplicação in vitro de espécies como o castanheiro, o cedro-do-buçaco e medronheiro; no projeto “COOP4PAM – Cooperar para crescer no setor das plantas aromáticas e medicinais”, é um projeto Interreg, no qual para além da componente de multiplicação estamos também envolvidos em estudos de caracterização e valorização de plantas aromáticas e medicinais. Recentemente aprovado no PRR, Agendas Mobilizadores, estamos no projeto “Transform – Transformação digital do setor florestal para uma economia resiliente e hipocarbónica”, no qual iremos avançar com o estabelecimento e conservação in vitro de algumas espécies florestais autóctones de interesse ecológico e de preservação da biodiversidade, tais como, o Quercus canariensis e o Q. estremadurensis
Em que consiste a clonagem ou micropropagação de espécies vegetais?
A clonagem de plantas permite-nos obter um conjunto de indivíduos (plantas) que têm as mesmas características genotípicas, uma vez que o mecanismo de divisão celular que ocorre neste processo garante que as novas células, tecidos e órgãos formados levam a mesma informação genética. Na prática, isto garante que as plantas obtidas terão todas as mesmas características morfológicas, isto é, fenotípicas. Contudo, não podemos esquecer que o desenvolvimento de qualquer organismo, as plantas incluídas, depende muito da ação dos fatores ambientais, tais como, a luz, a temperatura, a humidade e os fatores nutritivos. Este processo de clonagem, como sabemos, é da maior importância na área da produção agrícola, para garantir a manutenção de variedades e cultivares.
Podemos afirmar que através destas ferramentas biotecnológicas o CBPBI recupera espécies vegetais regionais em vias de extinção? Quais?
Sim, o processo de multiplicação vegetativa, reforçado pelas tecnologias in vitro, é uma ferramenta poderosa neste campo da preservação da biodiversidade, não só para multiplicação de exemplares, mas também pela possibilidade de utilizar estas tecnologias para efeitos de conservação, utilizando metodologias de crescimento lento ou de criopreservação. Neste processo de preservação temos várias espécies, entre elas, podemos referir, a carqueja, diversos ecótipos de lavandula e em particular a Lavandula pedunculata, também a Thymus mastichina, e, como referi, o caso dos carvalhos.
Que outros projetos de investigação estão na calha no CBPBI?
Continuamos atentos a novas oportunidades e parcerias e, a título exemplificativo, vimos também recentemente aprovados dois projetos financiados pelo BPI-Fundação La Caixa e FCT, o projeto “PLANTS4AGEING: Potencial das Plantas Aromáticas e Medicinais no Envelhecimento Cardiovascular”, que tem a Universidade de Coimbra como líder, e o projeto “Montanha Viva – Sistema Previsional Inteligente do Vigor de Plantas de Montanha e de Informação e Suporte à Decisão em Sustentabilidade Ambiental”, este com a Universidade da Beira Interior como líder. Num âmbito um pouco diferente, foi também aprovado o projeto “CSTO2NE – Biomimicry and carbon adsorbent eco-materials for a climate-neutral economy” do Programa HORIZON-MSCA-2021-SE-01-01 da Comissão Europeia, que contempla períodos de mobilidade de investigadores entre as instituições parceiras do consórcio, no sentido de dinamizar boas práticas e estabelecer novas dinâmicas de atividade, tendo em vista os objetivos do projeto, no qual colaboram 12 instituições internacionais da Europa e China, também com liderança da Universidade da Beira Interior.
Que balanço faz dos seis anos de atividade do CBPBI?
Francamente positivo. O CBPBI veio permitir trabalhar com instalações e equipamentos nas áreas da biotecnologia que fomos referindo ao longo desta entrevista, sem os quais não seria possível. Neste sentido, o Centro criou condições para podermos estabelecer novas parcerias nacionais e internacionais, capacitando-nos para novos projetos. Tem permitido a muitos alunos da Escola Superior Agrária de Castelo Branco, e não só, desenvolverem aqui as suas investigações necessárias para as suas dissertações de mestrado e de doutoramento, tem permitido a muitos jovens investigadores iniciarem aqui as suas atividades através de estágios profissionais e de bolsas de investigação, o que tem contribuído para a valorização dos recursos humanos neste interior do país onde todo e qualquer apoio é bem-vindo. Não queremos deixar de mencionar a extraordinária colaboração de muitos docentes da Escola Superior Agrária de Castelo Branco que aqui desenvolvem a sua atividade de investigação e que sustentam muito do funcionamento científico do Centro e, por último, mas não menos importante, os apoios que recebemos por parte do Instituto Politécnico de Castelo Branco e, muito em particular, do Município do Fundão, através da sua Câmara Municipal, que tem sido um parceiro indispensável em todo o percurso que temos feito.
José Carlos Gonçalves
Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Castelo Branco (Escola Superior Agrária). Licenciado em Biologia, Ramo Educacional e Ramo Científico pela Universidade de Coimbra. Mestre em Produção Vegetal e Doutor em Engenharia Agronómica pelo Instituto Superior de Agronomia da UTL. Desenvolve atividade de investigação na área da biotecnologia vegetal, com incidência nas áreas das culturas vegetais in vitro aplicados a sistemas de multiplicação de plantas, extração de utilização de metabolitos secundários e de preservação de germoplasma. É, desde 2006, investigador integrado do Centro de Estudos de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS), Centro FCT. Atualmente, dirige o Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior.
*Esta entrevista foi feita pelo CiB e publicada na edição de maio de 2023 da revista Vida Rural.
O artigo foi publicado originalmente em CiB – Centro de Informação de Biotecnologia.