Reduzir as emissões de gases de efeito de estufa é fundamental para conseguir travar, ou pelo menos desacelerar, o aumento da temperatura do planeta. Mas não basta apenas limitar as emissões de carbono, é preciso reduzir as emissões de metano para evitar o agravamento da crise climática. A conclusão é do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU que divulgará, na segunda-feira, o Sexto Relatório de Avaliação com novos alertas sobre o risco de uma catástrofe climática.
Desde o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU (IPCC), em 2013, tanto as emissões dos gases de efeito estufa como a temperatura global média continuaram a aumentar. Agora, oito anos após a última atualização sobre as questões climáticas, a Organização das Nações Unidas (ONU) vai publicar um novo relatório, do qual se esperam mais alertas sobre a rapidez com que a Terra está a aquecer e como as ações humanas estão a acelerar o aquecimento global.
Um dos principais pontos deste relatório será sobre os gases de efeitos de estufa e, em particular, o impacto cada vez maior do metano no aquecimento do planeta. O metano é um gás rico em carbono que pode aquecer a Terra 80 vezes mais rápido do que o dióxido de carbono, embora tenha uma vida útil mais curta (após cerca de dez anos na atmosfera transforma-se em CO2).
Cerca de 60 por cento das emissões mundiais de metano são produzidas por atividades humanas – com a maior parte vindo da agricultura, eliminação de resíduos e produção de combustível fóssil. O metano produzido pelo Homem é responsável por, pelo menos, 25 por cento do aquecimento global atual , estima o Fundo de Defesa Ambiental, citado pela BBC. Reduzir essas emissões, enfatiza uma nova Avaliação Global de Metano do Programa Ambiental das Nações Unidas, é a melhor esperança para travar rapidamente o aquecimento global.
“É a forma mais poderosa que temos para reduzir o aquecimento e todos os efeitos que vêm com as alterações climáticas nos próximos 30 anos”, afirmou à emissora britânica Drew Shindell, professor de ciências da terra na Duke University e principal autor do relatório da ONU.
Os cientistas que colaboraram neste relatório enfatizam que grandes reduções tanto de dióxido de carbono como de metano são fundamentais e urgentes para evitar alterações climáticas extremas.
“Não é um substituto para a redução de CO2, mas um complemento”, rematou Shindell.
Reduzir o metano pode “reduzir” aquecimento
Também Durwood Zaelke, presidente do Instituto de Administração e Desenvolvimento Sustentável e revisor líder do IPCC, considera que a redução de emissões de metano seria, provavelmente, a única maneira de evitar o aumento de temperatura de 1,5 ° C acima dos níveis pré-industriais.
“Reduzir o metano é a maior oportunidade para desacelerar o aquecimento até 2040”, disse ao Guardian. “Precisamos de enfrentar esta emergência”.
Segundo Zaelke, os legisladores e formuladores de políticas climáticas devem seguir as conclusões do IPCC sobre o metano antes de novembro, nas negociações climáticas da ONU, Cop26, em Glasgow.
“Precisamos de ver na Cop26 um reconhecimento deste problema, precisamos de agir”.
A redução do metano poderia, efetivamente, equilibrar o impacto da eliminação progressiva do carvão – objetivo principal da Cop26, visto que é o combustível fóssil mais poluente e responsável pelos aumentos acentuados nas emissões dos últimos anos. No entanto, o uso do carvão tem um efeito climático “perverso”, explicou o especialista: as partículas de enxofre que produz protegem a Terra de algum aquecimento, desviando um pouco a luz solar.
Ou seja, se se reduzir de repente o uso de carvão a temperatura global podia aumentar também, embora seja uma medida que protegeria a Terra a médio e longo prazo. De acordo com Zaelke, reduzir o metano pode compensar este problema.
“A desfossilização não levará ao arrefecimento até 2050. Se o enxofre diminuir na atmosfera vai agravar o aquecimento que já está em progresso”, disse.
“As alterações climáticas são como uma maratona – precisamos de permanecer na corrida. A redução do dióxido de carbono não levará ao arrefecimento nos próximos dez anos e, além disso, a nossa capacidade de lidar com a crise climática ficará tão comprometida que não conseguiremos continuar. Já reduzir o metano pode dar-nos tempo”.
Emissões de metano aumentaram em 2020
Quase metade dos cerca de 380 milhões de toneladas métricas de metano produzidas e emitidas pelas atividades humanas anualmente podiam ser cortadas ainda nesta década, de acordo com a avaliação da ONU. Isso podia evitar o aumento de cerca de 0,3 ° C até 2040 – ganhando tempo para controlar as outras emissões de gases de efeito estufa.
Esta redução podia ser alcançada com o arranjo de oleodutos com vazamentos, suspendendo a emissões deliberadas (como a de gás indesejado de plataformas de perfuração e outras atividades na indústria de petróleo e gás), assim como evitar a emissão dos gases do lixo dos aterros sanitários ou tentar diminuir os gases do gado.
Mas até agora pouco tem sido feito nesse sentido. A concentração de metano na atmosfera da Terra aumentou, na última meia década, mostra o Índice Anual de Gases de Efeito Estufa da NOAA. E apesar da pandemia, em 2020 registou-se o maior aumento anual alguma vez registado.
Dados de satélite revelam que algumas das principais fontes de metano são os poços russos de petróleo e gás mal administrados. O gás pode ser extraído da perfuração convencional usando técnicas modernas que praticamente eliminam as emissões “fugitivas” ou acidentais de metano. Mas enquanto países como o Catar cuidam da manutenção do metano, a Rússia, que integra o acordo climático de Paris de 2015, poucos esforços tem feito para reduzir as suas emissões.
“Hoje, mais de 40 por cento do gás da UE é gás pesado metano da Rússia, que é pior do que o carvão para o clima”, explicou ao Guardian Paul Bledsoe, ex-assessor climático da Casa Branca de Clinton que trabalha no Progressive Policy Institute em Washington.
“A UE deve começar a medir e, em seguida, regular as emissões de metano de todas as suas importações de gás natural para iniciar uma limpeza do gás natural global”.
Reduzir as emissões de metano pode ainda economizar dinheiro. A avaliação da ONU concluiu que cerca de metade das reduções de metano necessárias poderiam ser alcançadas com um retorno rápido.
Zaelke, por sua vez, exortou os governos a considerarem a elaboração de um novo acordo, juntamente com o acordo de Paris, que incluiria o metano e obrigava os países a reduzirem drasticamente a emissão desse gás.
“Eu prevejo que teremos que ter um acordo global para o metano”, clarificou.
O metano também é produzido pelo degelo do permafrost, e há indícios de que a onda de calor que está a afetar a Sibéria pode aumentar as emissões deste gás.
O artigo foi publicado originalmente em RTP.