O presidente da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, Idalino Leão, diz que o ‘aumento da produção nacional deve ser visto com um desígnio nacional’, mas garante que ‘estamos a assistir ao inverso’.
Quais os principais desafios e obstáculos para o setor?
Um dos principais desafios que temos é continuar a produzir alimentos com esta escalada interminável de preços dos principais fatores de produção. Ainda esta semana tivemos mais um aumento dos preços dos combustíveis, na semana passada assistimos a mais um aumento do custo das rações, o que afeta os agricultores ligados à pecuária. Não sabemos quando é que vai terminar, mas temos de continuar a produzir, continuar a ocupar o espaço e o território de forma ativa e produtiva, sendo esmagados com os constantes aumentos dos custos de produção, sendo que os custos fixos associados à energia – eletricidade e gasóleo – são aos mais significativos. Mas, para os agricultores ligados à pecuária, o custo das rações tem sido brutal. De tal forma que os preços dos nossos produtos têm subido ao nível da produção, mas ainda não conseguimos repercutir o verdadeiro custo no consumidor. Seria desejável que a União Europeia tivesse uma ação concertada comum para haver alguma equidade entre agricultores e não deixar a cada Estado-membro per si os seus mecanismos de ajuda de emergência.
Cada país avança com ajudas…
Isso só vai cimentar ainda mais as desigualdades. Um exemplo prático do que se passa na Península Ibérica. O que temos pedido à tutela é que qualquer ajuda que é extraordinária seja sempre equiparada no contexto ibérico, porque o mercado comercial é ibérico. Neste momento, não é isso que está a acontecer. O caso mais paradigmático é o que acontece no gasóleo. Estamos com uma diferença face aos espanhóis no mínimo de 20 cêntimos por litro, e os espanhóis têm um modelo muito prático, em que quer os agricultores, quer os consumidores vão à bomba, colocam o combustível, pagam e têm um desconto imediato. Não complicaram. No nosso caso e no que toca ao setor agrícola temos uma pequena ajuda de
3 cêntimos e qualquer coisa por litro, que é bem bem vinda – porque migalhas é pão –, mas o nosso negócio é de escala e quando comparado com o que se está a passar com os nossos vizinhos espanhóis é gravoso. Não conseguimos competir no mercado que é ibérico e perdemos competitividade.
E perdemos terreno face aos produtos espanhóis…
Claro que sim. E perdemos competitividade, numa altura em que a inflação está aos níveis que está e não sabemos ao certo que tipo de consequências vamos ter a curto e a médio prazo. O consumidor está a perder poder de compra e isso obvia e racionalmente vai ditar as suas opções de compra baseadas nos preços, ao mesmo tempo que os agricultores e as indústrias agroalimentares portuguesas estão a perder competitividade, porque não estamos a ter o mesmo nível de ajudas que estão a ter os nossos congéneres espanhóis. O que está a acontecer é que os agricultores portugueses estão a ser completamente esmagados todos os dias.
No caso da luz e do gás há uma proposta ibérica.
Isso seria uma boa ajuda, mas a tutela tem a decorrer uma fase de candidatura à chamada eletricidade verde que, na melhor das hipóteses, pode ir até 20% da fatura dos agricultores e na pior até 10%. Isso é uma boa medida, mas em relação ao gasóleo não vemos luz ao fim do túnel, porque estamos a assistir a aumentos todas as semanas. Ainda esta semana tive uma reunião e disseram-me que para a semana vamos ter provavelmente outro aumento dos preços dos combustíveis, não sei onde vai parar. Hoje em dia, qualquer consumidor provavelmente tem 10% do seu ordenado afeto ao gasóleo para se deslocar para o trabalho. Isso é muito preocupante, ninguém aguenta e é muito difícil perceber e aceitar isto. E no caso dos agricultores, quando foi o primeiro e o segundo confinamento, quando o Governo pediu aos portugueses para ficarem em casa de forma massiva, houve toda uma indústria agroalimentar que nos seus três elos da cadeia (campo, indústria e distribuição) fez o seu trabalho para produzir alimentos, para manter os portugueses confinados, com os frigoríficos e as dispensas cheias. Só assim é que foi possível pedir um confinamento. O primeiro-ministro disse, em tempos, num evento agrícola, que Portugal tinha uma dívida de gratidão para com os agricultores. São palavras que saudámos, mas gostávamos de ver isto traduzido em medidas concretas para salvar, diria mesmo, a soberania alimentar nacional. Neste momento é isto de que estamos a falar. Corremos o risco, se continuar a existir esta escalada de preços dos fatores de produção e se o preço final dos nossos produtos não acompanhar nas prateleiras, de ver um abandono em massa dos agricultores, colocando em causa a nossa soberania alimentar. O aumento da produção nacional tendo em vista a nossa soberania alimentar devia ser quase um desígnio nacional. E estamos a assistir ao inverso.
O Governo anunciou recentemente uma nova linha de crédito de 50 milhões. É suficiente?
Os agricultores, as indústrias agroalimentares e suas associações e suas cooperativas precisam de ajudas mais robustas e mais firmes. De aumentos de dívidas, e é disso que estamos a falar, os agricultores dispensam. A fileira produtiva portuguesa já está muito endividada, diria até que está com um desânimo generalizado e precisamos de ver uma luz ao fundo do túnel. Temos tido muitas conversas produtivas e cordiais com a tutela, esperamos que essas conversas se traduzam em medidas mais robustas. Ninguém da nossa geração viveu uma guerra, nem as consequências diretas e indiretas de uma guerra. Isto é um período extraordinário que carece de medidas extraordinárias e este é o tempo da política e dos políticos assumirem as rédeas, porque os agricultores e as suas organizações estão com vontade de continuar a produzir alimentos, mas para isso é necessário que haja condições para tal. Se os abandonarmos, os alimentos, quando chegarem à prateleira dos supermercados, serão ainda mais caros do que o que estão, porque o custo de transporte logístico associado vai ser repercutido no preço final.
Esse aumento será inevitável mesmo com a aposta na produção nacional?
É inevitável que os preços dos produtos agrícolas subam. Têm que subir.
Há risco de faltarem nas prateleiras?
Acredito que não faltarão produtos até porque estamos sob a alçada de um chapéu da UE, mas acredito que os preços serão inflacionados para cima. Dou o exemplo do leite, o preço tem de subir ao consumidor. Hoje, o preço do leite que é pago pelo consumidor é o mais barato da União Europeia e se subir cinco cêntimos por litro não vai ser isso que irá fazer a diferença no orçamento mensal do agregado familiar, mas pode fazer a diferença em salvar a produção nacional e em manter as vacarias abertas ou fechadas. É disto que estamos a falar quando falamos de aumentos de preços: é nesta ordem de grandeza, são cinco cêntimos por litro de leite. E falo sempre nesta correlação, um português comum, e eu até sou dos incomuns que bebo dois ou três cafés por dia, provavelmente nem sabe quanto custa o café e nem sequer discute quanto custa. Mas o café são dois golinhos pequenos servidos numa chávena e é mais caro do que um litro de leite, e um litro de leite dá para alimentar uma família durante um dia. O preço do leite chegou a um […]